“Até o fim do mundo”: as viagens de trem de Paul Theroux

Comecei o livro pela página 182, atraído pelo título daquele breve extrato sobre a Patagônia.

No fim do mundo, o autor se diverte com os paradoxos entre o mínimo e o máximo daquele enorme espaço vazio no sul do continente. “Era preciso escolher entre a vastidão do deserto ou a visão de uma flor minúscula”.

Em se tratando de relatos de Paul Theroux, não poderia ter direção melhor para a leitura do que pelo fim (pelo fim do mundo, ainda que no miolo do livro). Como o próprio autor define sua bibliografia, seus livros de viagem terminam onde os outros começam.

“O percurso é o que interessa, não a chegada”.

Paul Theroux

“Até o fim do mundo” (editora Objetiva) reúne crônicas de viagens de Theroux, publicadas em seis obras suas anteriores, entre elas “O Grande Bazar Ferroviário”, best seller de 1975 em que descreve deslocamentos sobre trilhos entre a Europa e a Ásia, da caótica Índia aos aborrecimentos na Transiberiana.

É com textos de sua obra mais famosa que Theroux abre “Até o fim do mundo”, e foi para lá que retornei depois daquele desvio inicial pela Patagônia.

Publicado no Brasil há exatos 10 anos, o livro é uma coleção de relatos sobre aquilo que o viajante ordinário não teve tempo de ver.

Mas é também sobre as próprias viagens de Theroux.

E é justamente essa abordagem que torna o livro, assim como toda a sua obra, um dos mais fascinantes (e sinceros) relatos de viagem da literatura contemporânea.

O autor não faz turismo, e quando se dá conta de que o está fazendo, se culpa. “Fiquei aliviado em sair de Portmeirion; sentia-me culpado com a desconfortável suspeita de que estava fazendo turismo – coisa que tinha prometido a mim mesmo não fazer”.

Uma das características mais marcante de seu texto ágil é a habilidade de extrair histórias absurdas de pessoas que o escritor acabou de conhecer.

Theroux absorve cada lugar que visita.

Mais do que um apanhado de descrições adjetivadas sobre atrações turísticas para confirmar aquilo que o leitor já sabe, é uma obra sobre deslocamentos em viagens, a maioria em trens, e fragmentos de histórias que cruzam seu caminho.

“Eu detestava turismo, e a maior parte dos livros de viagem descrevia pontos turísticos. Em uma época de turismo em massa, todos viajavam para ver as mesmas coisas”

“Até o fim do mundo”/ Paul Theroux

O autor vai de divertidas conversas com desconhecidos em vagões de trens empoeirados na Índia a leituras de poemas no apartamento de Jorge Luís Borges, na capital argentina, onde voltaria para jantar na noite seguinte, a convite do próprio escritor.

“Andar pelas ruas de Buenos Aires em companhia de Borges era como ser guiado em Alexandria por Cavafy, ou em Lahore por Kipling. A cidade pertencia a ele, ele ajudara a inventá-la”.

Conhecido por suas obras adaptadas para o cinema, como “A Costa do Mosquito” (1986) e “Chinese Box” (1997), esse estadunidense de Massachusetts é o tipo de viajante que não faz o leitor perder tempo sobre as influências francesas na arquitetura de Buenos Aires.

Sua Argentina é feita de lugares como La Quiaca e a Quebrada de Humahuaca.


Viagens monótonas

Assim como as casas de hóspedes, o mundo para Paul Theroux é “uma casa inteira à disposição” da sua curiosidade.

Para ele, tudo é cronicável, até mesmo a monotonia de uma colônia de férias na litorânea Minehead, na Inglaterra, onde famílias se divertiam sob céu nublado com atividades como concurso de fantasias mirins, competições de cama elástica e corrida de jumentos.

“Essas colônias combinavam a segurança e a igualdade de uma prisão com a vulgaridade de um parque de diversões”.

Só não devemos cair na ingenuidade de tomar tudo aquilo como atual (com exceção da massa que ainda se satisfaz com a monotonia das viagens para ver as mesmas coisas), já que os textos de Theroux são relatos de viagens feitas entre os anos 70 e 90.

Por isso, cada um deles costuma vir acompanhado de excelentes contextualizações históricas para o leitor, como o perigo de visitar a Irlanda do Norte em tempos de atentados ou as hilárias viagens de hippies classe média dos anos 70 que se aventuraram em estradas para o Oriente.

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Viajando no galo de ferro

Extraído do livro “Viajando de Trem Através da China” (1988), em que relata um ano de viagem em cerca de 40 trens pela Ásia, o capítulo “Dirigindo até o Tibete” é o mais longo e detalhado relato em “Até o fim do mundo”.

Em mais de 20 desesperadoras páginas, suficientes para sustentar o roteiro de um filme inteiro, Theroux descreve o acidente que teve com o carro em que dois chineses o conduziam por intermináveis 1.600 km até o Tibete.

“Isso [o acidente] durou talvez sete segundos. Um tempo longo e doloroso em um carro derrapando; o terror tem tudo a ver com a passagem do tempo. Eu nunca me sentira tão indefeso ou tão perto da morte”.

Outra vez, prova que mais do que chegar, o que importa é estar.


Neste livro de deliciosas 420 páginas, suas viagens seguem com experiências hilárias como o haxixe fumado à espera da abertura da fronteira entre o Irã e o Afeganistão; e o assombro no metrô de Nova Iorque, onde “o zoológico é em qualquer lugar”.

Paul Theroux, que lançou recentemente “On the Plain of Snakes” (“Na Planície das Cobras”, em português), sobre sua experiência no México, teve seu último trabalho também publicado no Brasil pela editora Objetiva, “O Último Trem para a Zona Verde: meu derradeiro safári africano”, em 2015, onde refaz viagens anteriores à África e revê suas ideias sobre turismo .

Mas isso é história para outra viagem.

SERVIÇO

“Até o fim do mundo”
Paul Theroux

tradução: Paulo Afonso

preço sugerido: R$ 92,90

www.companhiadasletras.com.br

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