“Resolvi nunca mais voltar ao mundo civilizado”, confessou o velho explorador Ridgewell para o repórter Tintim, em um encontro em uma floresta isolada do continente.
Esse diálogo é um dos muitos trabalhos que se inspiraram no sumiço de Percy Harrison Fawcett, no Mato Grosso. Ridgewell seria a versão quadrinizada de Fawcett (veja box abaixo).
Em busca de uma civilização perdida que ele tinha certeza que ficava no Brasil, esse coronel britânico, seu filho Jack e um amigo partiram de Cuiabá, em 1925, para uma “das matas mais intratáveis da Amazônia”, nas palavras de David Grann, cuja biografia “Z, a Cidade Perdida” (Companhia das Letras) ganhou uma adaptação desastrosa para o cinema, em 2017.
Por séculos, a Amazônia foi tratada como uma terra hostil, de onde nenhuma expedição retornava para contar história. Ficavam por ali mesmo, engordando a lista de desaparecimentos intrigantes na maior floresta tropical do planeta.
Mas a expedição encabeçada por Fawcett não foi apenas mais uma delas, nem passou despercebida pelos olhos curiosos do mundo.
Sabe-se lá o que tenha sido daquela incursão pelo inferno verde – se realmente encontraram um portal para outra dimensão ou se foram todos devorados por índios – a empreitada seria inspiração, nas décadas seguintes, para a literatura, o cinema e sobretudo para o jornalismo.
Com seu inconfundível chapéu Stetson e um gosto exagerado por aventuras, Fawcett ficaria conhecido como “O Verdadeiro Indiana Jones”. Mas nunca mais seria encontrado, nem aqui, nem em outras dimensões.
“Fawcett queria realizar a maior descoberta do século, mas protagonizou o maior mistério da exploração do século XX.”
(David Grann – biógrafo)
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Fawcett e Tintim
Em 1935, Fawcett ganharia uma homenagem em “O Ídolo Roubado”, sexto livro da série de quadrinhos do personagem Tintim, do belga Hergé.
A procura de uma estátua sagrada roubada dos Arumbaia, o jovem repórter encontra o explorador Ridgewell, personagem que deixara a civilização para viver entre os índios, em uma referência ao coronel que sumira nas florestas do Brasil.
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Inspirações de Fawcett
Décadas antes da criação do Indiana Jones de Steven Spielberg, Fawcett inspiraria livros como “O Mundo perdido” (Arthur Conan Doyle), “Um punhado de pó” (Evelyn Waugh) e até Peter Fleming, irmão do criador de James Bond (Ian Fleming), com seu “Brazilian Adventure”, de 1932.
Mas os maiores “fanáticos por Fawcett” viriam mesmo do jornalismo.
A primeira das inúmeras expedições em sua busca aconteceria três anos depois de seu desaparecimento, uma comitiva de 26 pessoas e três toneladas de bagagem, sob comando de Georges Miller Dyott.
Na mais sensacionalista delas, em 1943, Edmar Morel foi enviado ao Alto Xingu pelo empresário Assis Chateaubriand, onde se encontrou com Dulipé, “a única recordação viva da malograda aventura de Fawcett”, nas palavras do próprio Morel, em texto para o Diário da Noite.
Acreditava-se que o “índio loiro de olhos azuis” era filho de Jack Fawcett com uma indígena. A paternidade foi descartada, pois se tratava de um índio albino, e a carreira do repórter, manchada pelo furo equivocado.
Em entrevista por telefone, o biógrafo Hermes Leal afirma que, mais do que solucionar mistérios, as viagens patrocinadas por Assis Chateaubriand davam sobrevida a uma “fonte permanente de matéria jornalística”, como uma “corrida do ouro na época”.
“Fawcett não foi um explorador científico, mas deixou um legado para a literatura e para as aventuras”
Hermes Leal, autor de “O enigma do Coronel Fawcett – o verdadeiro Indiana Jones” (ed. Geração).
Em abril de 1951, Orlando Villas Boas ouvira o relato de um Kalapalo sobre o assassinato dos três desaparecidos. Cuiuli, o informante, afirmava que o assassino Cavucuira, naquele momento já morto, jogara os dois jovens na Lagoa Verde e enterrara Fawcett perto dali.
Mas exames do Royal Anthropological Institute de Londres e um dentista que tratara o coronel, no Rio de Janeiro, desmentiram a descoberta e Villas Boas passaria quase duas décadas sem saber o que fazer com a ossada.
Percy Fawcett ficou conhecido também pelas cartas enviadas à esposa Nina Agnes Paterson com coordenadas geográficas imprecisas, a fim de que não fossem localizados.
“Ele escrevia cartas que geravam uma narrativa da sua própria aventura”, analisa Hermes Leal.
O quebra-cabeças Fawcett
Desde que encontrara inscrições desconhecidas em uma floresta do antigo Ceilão e vira o “Manuscrito 512”, um mapa de uma cidade perdida no Brasil, Fawcett se convencia cada vez mais que a Cidade Z estava em solo brasileiro.
Suas teorias ganhariam novos elementos quando o amigo Rider Haggard (autor de “As minas do rei Salomão”) o presenteou com uma estátua, supostamente, do Brasil.
As peças começavam a se encaixar e, cada vez mais, Fawcett tinha certeza de que a estátua encontrada no Brasil era de Atlântida.
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O coronel chegou a recusar também apoio logístico de Cândido Rondon, o militar que mapeou o centro-oeste brasileiro com seu projeto de instalação de telégrafos e contato com grupos indígenas ainda desconhecidos.
Para ele, não eram necessários estrangeiros em expedições em território nacional.
Apesar dos desentendimentos, Percy Fawcett e Rondon tinham atitudes semelhantes em suas carreiras de exploradores: estiveram em áreas não mapeadas da América do Sul, mostraram-se imunes às doenças comuns da Amazônia e eram, extremamente, exigentes com quem os acompanhava.
Ambos fizeram contatos não violentos com grupos indígenas ainda desconhecidos da região, como os Maxubi. A regra de não disparar, em nenhuma circunstância, contra os índios, equivaleria ao “morrer se for preciso, matar nunca”, lema que Rondon defendeu até seu último dia de vida.
Mas o maior temor de Fawcett não era deixar de encontrar a Cidade Z, mas que alguém o fizesse antes dele ou juntamente com ele.
“De tanto ocultar seus achados e objetivos, acabou por ocultar-nos os próprios ossos”, escreveu Antonio Callado, em junho de 1975, na revista Realidade.
Segundo Callado, autor de “Esqueleto na Lagoa Verde – Ensaio sobre a vida e o sumiço do coronel Fawcett” (Companhia das Letras), “ali estavam preparando-se para o grande mergulho”.
Tão profundo que ninguém voltou para contar história. A última notícia dada por Fawcett data de 29 de maio de 1925.
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Livros sobre o desaparecimento de Fawcett
“Esqueleto na Lagoa Verde” (Companhia das Letras)
Antonio Callado
“O enigma do Coronel Fawcett – o verdadeiro Indiana Jones” (Ediouro)
Hermes Leal
“Z – a cidade perdida” (Companhia das Letras)
David Grann
“A marcha para o oeste” (Companhia das Letras)
Orlando Villas Boas e Cláudio Villas Boas
“Rondon, uma biografia” (Objetiva)
Larry Rohter
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