Leo só queria ir para a Disney, mas do outro lado da fronteira a realidade mostra os dentes. Caninos afiados, famintos e dominantes.
Baseado na história do próprio diretor Samuel Kishi Leopo, ‘Los Lobos’ chega aos cinemas brasileiros no próximo dia 16 de setembro, com a história de Lúcia e dos filhos Max e Leo que deixam Ciudad Juárez em busca de uma vida melhor nos Estados Unidos.
O resto da história a gente até acha que sabe. E se os pequenos não têm ideia do que vem pela frente, inventam.
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Enquanto a mãe sai para trabalhar, os irmãos passam o dia no único cômodo da casa, jogando futebol com bola de papel e rabiscando a parede com desenhos de traços ingênuos que ganham vida e se transformam em metáfora animada daquela gente cheia de perspectivas em país alheio.
Quando estão entediados, se debruçam no parapeito da janela para verem os Estados Unidos passando, sem novidades, do lado de fora.
“Vocês são lobos fortes. Os lobos não choram. Os lobos mordem, uivam e cuidam de casa”, avisa a personagem Lúcia, antes de deixar as crianças sozinhas naquele espaço minúsculo recém alugado em um condomínio para estrangeiros, em Albuquerque, no sul dos Estados Unidos.
Durante a viagem para os Estados Unidos, Lúcia vai perguntando para o filho mais novo o que ele vê pela janela do ônibus, seguido de uma sequência de respostas que só uma criança de cinco anos poderia imaginar.
– E você, Max? O que você vê?
– Nada, responde, sem perspectivas, o mais velho. O amadurecimento precoce é só uma questão de tempo (e de alguns pelos de barba na cara).
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Los Lobos
A alcateia imigrante de ‘Los Lobos’ são vidas que se cruzam e, no limite de suas possibilidades, se ajudam entre si (ou não) como uma forma de amenizar as próprias dificuldades.
Tem os vizinhos latinos que tentam inserir os novos moradores nas brincadeiras no jardim do prédio, tem o oriental que faz terapia desenhando na própria parede de casa, e a esposa que oferece comida para Max e Leo, entediados com a junk food servida na mesa que não existe.
“Cruzamos a fronteira com visto de turistas ao declarar que íamos para a Disneylândia. Minha mãe não tinha nenhum emprego, não falava inglês e não tínhamos um lugar seguro para morar”, conta o diretor de ‘Los Lobos, que foi para os Estados Unidos aos cinco anos, acompanhado do irmão mais novo e da mãe recém separada.
“Ao viajar às pressas, nossas posses eram apenas algumas roupas, brinquedos e um gravador de fitas”, lembra Samuel.
E todas essas lembranças estão nesse novo trabalho do cineasta, que também divide o roteiro com Luis Briones e Sofía Gómez-Córdova.
Se o colchão velho jogado no chão é o mais próximo que as crianças têm do conforto estadunidense, o gravador trazido na bagagem é uma espécie de elo entre o passado, através do registro da voz do avô das crianças que ficou do outro lado da fronteira, e o futuro, onde as “aulas” de inglês gravadas pela mãe dão esperança de uma vida melhor em um país cobiçado que ainda tenta acertar sua política migratória.
Formado pela atriz Martha Reyes Arias (Lúcia) e pelas crianças Maximiliano e Leonardo Nájar Márquez, o núcleo protagonista tem atuação acertada que, por vezes, faz a gente se confundir entre a ficção e o documental.
Assim como explica o próprio diretor, o longa é uma composição de personagens fictícios em locais reais e seus arredores, e do multiculturalismo que se construiu para a comunidade de imigrantes.
“Foi muito importante para mim basear-me nas histórias e vivências da comunidade imigrante de Albuquerque para a produção deste filme”, completa Samuel.
Segundo longa do diretor, depois de ‘Somos Mari Pepa’ (2013), o drama ‘Los Lobos’ traz no DNA aquele cinema latino que, sem armas ou perseguições alucinadas a traficantes, prende o espectador durante 1h30 de história.
Quem assiste esperando reforçar os estereótipos equivocados de uma América Latina exótica, encontra apenas uma gente que vive entre a expectativa e a realidade.
Ali, não tem coiotes nem entrevistas ameaçadoras em salinha reservada. Tem esperança.
E enquanto Max questiona quando vão para a escola, o pequeno Leo só quer saber se já chegou o dia de ir para a Disney.
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SERVIÇO
‘Los Lobos’
país: México
ano: 2019
duração: 95 min
Com estreia mundial na Mostra Geração do Festival de Berlim (“Grande Prêmio do Júri Internacional para Melhor Filme”), ‘Los Lobos’ganhou também o Signis Award no 41º Festival Internacional do Novo Cinema Latino-Americano de Havana, em 2019.
No Brasil, ganhou na categoria “Prêmio da Crítica”, concedido pela Abraccine (Associação Brasileiras de Críticos de Cinema), no 9º Festival Olhar de Cinema de Curitiba, no Paraná.
‘Los Lobos’ tem distribuição da Vitrine Filmes e está programado para estrear nos cinemas brasileiros no próximo dia 16 de setembro.
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