Desde que o ilustrador Fernando Pires leu ‘Macunaíma’ pela primeira vez, nos anos 90, o clássico de Mário de Andrade dava voltas à sua cabeça. E mesmo depois de tantas outras leituras da obra mais famosa do poeta paulistano, Fernando acredita que até hoje não resolveu o assunto.
– O ‘Macunaima’ não era aquilo que eu estava tentando entender. Cada vez que eu lia, o livro era uma outra obra, conta o ilustrador em entrevista por telefone.
Mas daí veio o ‘O Turista Aprendiz’, e aquele mundo de lendas e histórias amazônicas (reais ou inventadas) deu outro rumo às pesquisas do ilustrador.
Baseado em suas leituras dessa obra póstuma de Mário de Andrade, Fernando Pires lançou, recentemente, “Há uma gota de poesia em cada rio da Amazônia” (editora Abacatte), livro ilustrado que traz para o público infantojuvenil trechos dos diários de bordo que o poeta modernista escreveu durante sua viagem para a Amazônia.
O título comprido que tão bem coincide com a viagem de Mário, feita entre maio e agosto de 1927, é inspirado em “Há uma Gota de Sangue em cada Poema”, que o escritor publicou, aos 24 anos, sob o pseudônimo de Mário Sobral.
CONHEÇA A OBRA
LEIA TAMBÉM: “1ª vez na Amazônia: Belém ou Manaus?”
A Amazônia que o Mário viu
– Lendo ‘O Turista Aprendiz”, você consegue entender o humor de Mário, consegue se ver escrevendo aquilo. É um grande barato. Apesar do lirismo e dos sentimentos profundos, é um texto com um tom muito alegre, descreve Fernando.
O paulistano desvairado viajou Brasil adentro em diferentes embarcações, margeando a costa brasileira até o Norte, onde viu o Pará e o Amazonas até dizer chega, além de dar um pulo em Iquitos, a Capital da Amazônia peruana, e quase nem ver a Bolívia.
Com cerca de 20 obras já publicadas, muitas delas livros didáticos e paradidáticos, o ilustrador conta que a ideia de publicar um diário poético surgiu há cerca de seis anos, quando pesquisava para um trabalho comemorativo dos 200 anos da morte de Aleijadinho, cuja originalidade de sua arte insubmissa foi uma das mais importantes inspirações para o Mário “apaixonado das nossas cousas”.
– Fiquei com aquilo na cabeça, e quando cruzei com o ‘Turista’ tive vontade de fazer o mesmo que o Mário fez com o Aleijadinho, criar um personagem, explica.
Para o ilustrador, foi como abrir uma porta para que o leitor mais jovem pudesse saborear um autor tão complexo, a partir de trechos retirados integralmente da obra original inacabada.
Nem tudo está ali, mas tem um pouquinho de cada Mário naquela viagem que quase não aconteceu, ao lado de Olívia Guedes Penteado – a dama do café paulista -, e as adolescentes Margarida, sobrinha de dona Olívia, e Dulce, a filha da Tarsila do Amaral.
– Não fui feito pra viajar, bolas! Estou sorrindo, mas por dentro de mim vai um arrependimento assombrado, escreveu Mário, arrependido.
Na Amazônia que Fernando Pires traz ao público tem papagaio que dá ‘bom dia’, damas amolegadas pelo calor e ilustrações inspiradas nas centenas de imagens que o aprendiz de viajante registrou com sua “codaque”, como ele chamava sua câmera fotográfica.
O poeta se empanturraria de Amazônia.
Quem já leu ‘O Turista Aprendiz’ viajou por aquelas páginas cheias de texturas, cheiros, cores e sabores. Mas em “Há uma gota de poesia em cada rio da Amazônia”, o autor optou por outros tons.
Após decidir juntamente com a editora qual seria o público-alvo do livro, Fernando decidiu por uma arte com apenas duas cores (azul e amarela).
“A gente vai diminuindo a paleta conforme o leitor vai crescendo e eu não queria que fosse super colorido. Eu gosto dessa limitação de cor, isso dá uma unidade do livro”, conta o ilustrador.
Em sua pesquisa no IEB (Instituto de Estudos Brasileiros), que desde 1967 abriga extenso acervo da obra de Mário de Andrade, Fernando se deparou com os documentos originais do processo criativo d’O Turista Aprendiz, guardados em uma pasta.
Assim como ele explica, o texto em papel carbono azulado foi também inspiração para as letras de seu livro ilustrado, como se o poeta acabasse de escrever aquelas histórias em sua Manuela, como era chamada sua máquina de escrever.
– É meio que dar um cheirinho do que o Mário passou, compara o ilustrador, em referência à transcrição original do livro do poeta.
LEIA TAMBÉM: “10 livros para crianças que gostam de viajar”
Ai que preguiça
Nas (poucas) longas viagens que fez durante sua vida 300-350, Mário não só colocou o leitor dentro de seus textos, mas também trouxe na bagagem inspirações para obras futuras.
Como lembra a pesquisadora Tatiana Longo Figueiredo, a viagem pela Amazônia rendeu “notas para ‘Macunaíma’ e o esboço de ‘Balança, Trombeta e Battleship ou o descobrimento da alma’, romance inacabado de Mário, publicado pelo Instituto Moreira Salles, em 1994, em edição preparada pela pesquisadora Telê Ancona Lopez.
– ‘Macunaíma’ não poderia passar incólume pela viagem à Amazônia, já que viajou junto com o escritor, lembra Tatiana sobre esse clássico de Mário de Andrade que, ainda inédito na época da viagem, ganhou outro final após sua experiência amazônica.
Sua obra mais famosa sairia no ano seguinte, em 1928. Já o ‘Turista Aprendiz’ só seria publicado pela primeira vez em 1976, mais de 30 anos depois da morte de Mário, editado também pela sempre detalhista Telê, uma obra cheia de notas de rodapé que ampliam as viagens (vividas e imaginadas) no Norte e no Nordeste brasileiros.
Em 2015, a convite do IPHAN, a dupla Telê e Tatiana publicariam ainda uma edição de texto apurado, anotada e acrescida de documentos relacionados ao ‘O Turista Aprendiz’.
Mário (Bros) de Andrade
Embora tenha trechos retirados do livro original, “Há uma gota de poesia em cada rio da Amazônia” traz atualizações criativas das tantas histórias que Mário também sonhou durante a viagem.
Em um dos seus pesadelos mais alegóricos em ‘O Turista Aprendiz’, Mário sonhou com um hotel de uma “enormidade de andares”, onde era atacado por diversas pessoas.
Batia, vencia e fugia pelas escadas. Subia, descia e voltava a subir. Mas, em cada andar, mais “inimigos solistas formidáveis”.
Para o poeta, era mais um daqueles sonhos cheios de Mários.
Para Fernando, a inspiração para imaginar um videogame de Mário 300-350, daqueles com cara de anos 80 e Mário com um “formidável cacete na mão” subindo degraus, descendo escadas, criando super poderes e terminando aos gritos, com receio de ter acordado alguém.
O novo livro de Fernando se completa também com trechos extras com pedaços de cartas que Mário trocou com alguns de seus amigos modernistas, como Manuel Bandeira e o jovem Carlos Drummond de Andrade.
“Há uma gota de poesia em cada rio da Amazônia”
Fernando Pires
gênero: literatura infantojuvenil
páginas: 80
tamanho: 18x24cm
VEJA TAMBÉM: “Confira dicas de livros para crianças jurássicas e das galáxias”
Observei no artigo a referência apenas das cidades de Manaus e Belém… No artigo do historiador e membro da Academia Amazonense de Letras, Francisco Gomes da Silva, intitulado “Mario de Andrade em Itacoatiara”, em (03.06.1927) descreve o sonho onírico da cidade que o imperador D. Pedro II desejava que fosse a Capital da Amazônia, localizada no blog Itacoatiara, História & Cantigas. Em relação a cidade mais importante da Amazônia, fico com Manaus: Manaus tem o Centro de Biotecnologia da Amazônia, tem dois teatros lindíssimos Teatro Amazonas e Arena da Amazônia, anexo ao Museu Internacional do Esporte; MUSA – Museu da Amazônia e a maior torre da região, que os gringos conhecem como Champs-Élysées. Belém tem Sambódromo???
Caro quase conterrâneo, advinha que cidade ele mais gostou? Que chamava de “gostisissima”? Tanto que escreveu um poema para ela: “Lá se goza mais que em New York ou Viena” “”Oh barbadianinha Belém do Pará”
Tudo de bom, meu caro.
Caro quase conterrâneo, meus pais eram amazonenses mas não conheço o estado. Mas, voltando a Mário advinha que cidade ele mais gostou na sua viagem pela Amazônia? Cidade que chamou de “gostisissima” e que lhe inspirou um poema: “Lá se goza mais que em New York ou Viena” “”Oh barbadianinha Belém do Pará”
Em Itacoatiara que também não conheço também, se não me engano, tem ramificações da minha família. Um grande abraço!