A história não só parece um daqueles relatos heroicos de séculos passados, como deu origem a um dos mais famosos livros de aventura da literatura mundial, “Robinson Crusoé”.
Ambientada em Trindade e Tobago, no Caribe, a obra de 1719 do inglês Daniel Defoe é baseada na história real de Alexander Selkirk, escocês voluntariamente largado em uma das ilhas de Juan Fernández, arquipélago chileno a 670 km da costa.
Sua história fictícia, considerada a primeira novela moderna da literatura inglesa, teria sido inspirada nesse marinheiro que viveu, entre setembro de 1704 e fevereiro de 1709, isolado em “Más a Tierra”, uma das ilhas da região.
O desembarque forçado teria acontecido após uma discussão entre Thomas Stradling, capitão da Cinque Ports, e Selkirk, que acreditava que a embarcação não tinha condições de seguir viagem.
LEIA TAMBÉM: “O Chile não é desse mundo: confira destinos incríveis”
O verdadeiro Robinson Crusoé
Por quase cinco anos, o marinheiro escocês viveu uma rotina solitária de trabalhos manuais e busca por alimentos, como a caça de cabras, animais selvagens introduzidos na ilha por outros marinheiros.
Selkirk até avistou barcos de bandeira espanhola, cuja tripulação chegou a desembarcar na ilha, mas precisou se esconder. Em plena Guerra da Sucessão Espanhola, ingleses e espanhóis eram inimigos declarados.
Suas roupas feitas com pele de cabra “costurada” com prego eram um dos poucos sinais de civilização de Selkirk, cujos pés descalços por tantos anos, dizem, levariam um tempo para usar sapatos outra vez.
O visitante forçado só sairia dali em fevereiro de 1709 com a ajuda de um barco inglês comandado por Woodes Rogers, que mais tarde seria o primeiro governador de Bahamas e um temido caçador de piratas.
Arquipélago de Juan Fernández
Juan Fernández é formado por Más a Tierra, cujos 93 km² serviram de primeiro abrigo para Selkirk; Más Afuera, com 85 km² e a mais distante delas, a 834 km do continente; Santa Clara (5 km²), o centro vulcânico que deu origem ao arquipélago, e outras ilhotas.
Mas em 1966, a moradora local e escritora uruguaia Blanca Luz Brum sugeriu ao então presidente do Chile, Eduardo Nicanor Frei Montalva, a mudança dos nomes das ilhas, a fim de divulgar o arquipélago para o mundo e fortalecer o turismo local, vinculando-o à História.
Assim, Más a Tierra passava a se chamar ilha Robinson Crusoe, e Más Afuera era rebatizada como ilha Alejandro Selkirk, onde o escocês sequer colocou os pés.
Descoberto casualmente pelo espanhol Juan Fernández, na metade do século 16, o arquipélago tem um dos maiores índices de endemismo do mundo, onde 100% das árvores nas florestas locais só existem ali.
Por isso, o destino é parque nacional desde 1935, um dos raros casos no mundo em que essa categoria de área preservada tem moradores fixos.
Em 1977, foi declarado também Reserva da Biosfera pela UNESCO, um habitat de animais como famosa a lagosta de Juan Fernández e o curioso lobo fino, o único mamífero endêmico do arquipélago.
Conheça o “verdadeiro Robinson Crusoé”
* para ampliar, clique aqui
Laboratório da Natureza
Em 2017, o Ministério do Meio Ambiente chileno formalizou 13 mil km² de áreas marinhas protegidas de Juan Fernández, devido à grande quantidade de espécies endêmicas.
Por exemplo, atualmente, o destino é referência mundial de mergulho com cilindro, cuja melhor época vai de outubro a abril.
Conhecido pelas excelentes condições marinhas para prática da atividade, o arquipélago tem águas com visibilidade que chegam até 25 metros de distância e temperatura entre 18 ºC e 22 ºC.
Assim como descreve Lene Spaarwater, fundadora da agência de mergulhos Archipiélago Expediciones, os mergulhos acontecem a 20 metros de profundidade, aproximadamente, e permite a observação de animais como peixes, polvos e lagostas.
Em terra firme, as opções de turismo ao ar livre no arquipélago são seus mais de 50 km de trilhas, como a Rota do Marinheiro Escocês.
Essa caminhada histórica tem quase 2 km de extensão e passa por locais com vestígios da estadia de Selkirk na ilha, como a cabana que abrigou o escocês e um mirante que leva seu nome, de onde o “náufrago” podia ver a (rara) movimentação de navios que pudessem tirá-lo dali.
LEIA TAMBÉM: “Trilha passa por área selvagem do Oceano Pacífico, em Chiloé”
Embora o mergulho esteja proibido, atualmente, os destroços do SMS Dresden também são um registro da conturbada história do arquipélago, a 500 metros de uma praia na Baía de Cumberland, em Robinson Crusoe.
Em 1915, esse Monumento Histórico foi, propositalmente, afundado pelo capitão Carl Lüdecke para evitar assim a captura desse navio alemão por embarcações britânicas inimigas, durante a 1ª Guerra Mundial.
LEIA TAMBÉM: “Cinco motivos para viajar pela Carretera Austral, na Patagônia chilena”
CONHEÇA JUAN FERNÁNDEZ
VEJA TAMBÉM: “O lado B do deserto: 3 trilhas alternativas no Atacama, no Chile”
Chile além-mar
A 2h30 de avião de Santiago, aproximadamente, ou até 72 horas de barco, o arquipélago tem alto nível de umidade, fortes ventos e uma temperatura média anual de gelados 15°C.
E as dificuldades continuam também em terra firme.
Ao desembarcar no aeródromo local, os passageiros seguem até a Bahía del Padre, onde tomam uma lancha que faz uma viagem de cerca de 1h30 até Cumberland, baía onde fica San Juan Bautista, praticamente, o único pedaço de terra habitado do destino.
Aliás, foi nessa espécie de Fernando de Noronha do Pacífico que o recém eleito presidente chileno, Gabriel Boric, passou as férias antes de assumir o cargo, no início deste ano.
Juan Fernández tem menos de mil habitantes e, duas vezes por mês, a população vê chegar um barco com provisões do continente, o único contato daquelas terras isoladas com o resto do mundo.
VEJA TAMBÉM: “Patagônia argentina ou chilena? Saiba quais são as diferenças e programe-se”
Seja o primeiro a comentar