Cláudia Gaigher bem que podia escrever apenas sobre banhos de floresta, do gosto do ingá e dos caminhadas em trilhas úmidas. Lembranças da infância, daquelas com “cheiro de orvalho” e “frescor de aru”, não faltaram para essa jornalista capixaba.
Mas daí veio um Pantanal inteiro para alagar e desviar o rumo da sua vida.
“O que minha família aprendeu por instinto, o mundo hoje prescreve como cura”, descreve Cláudia sobre sua experiência de morar no Centro-Oeste.
Desde 1998 cobrindo, jornalisticamente, o Pantanal, bioma celebrado no dia 12 de novembro, Cláudia lançou recentemente seu “Diário de uma repórter no Pantanal”, livro financiado e editado pela Documenta Pantanal, rede que reúne profissionais interessados na proteção do Pantanal.
Com 30 histórias vividas desde que a repórter se mudou para Campo Grande (MS), o livro vai das descobertas das primeiras viagens ao Pantanal aos catastróficos (e incendiários) últimos anos.
Cheias de rios, fazendas alagadas, estradas de areia e cenários hipnotizantes. Está tudo lá nesse livro de mais de 350 páginas que a gente nem vê passar.
Seu jornalismo literário ágil chega ao leitor em forma de crônicas que revelam o que veículos especializados de turismo quase nunca têm espaço (nem interesse) em contar.
“Excelente contadora de histórias, Cláudia mostra aqui [no livro] mais do que cabe no contorno rígido dos formatos televisivos”, descreve o Documenta Pantanal na abertura do livro.
Para falar de pinturas rupestres, por exemplo, seu texto multidisciplinar viaja também pela Serra da Capivara (PI) e Lagoa Santa (MG), em um texto simples e direto que aborda petróglifos, carbono 14 e estromatólitos como quem descreve férias no Pantanal.
Aos seus relatos detalhados, Cláudia vai inserindo dados históricos que contextualizam esse bioma que livros didáticos não têm tempo para explicar e muita gente gosta de dar opinião sem nunca ter ido.
“Vivenciando o dia na região, fui movida pela curiosidade de entender mais a fundo essa história de guerra contra o Paraguai”, conta a autora, que no livro lembra também a lenda de um túnel sob o altar de uma capela, por onde os combatentes brasileiros passavam sem ser percebidos pelos inimigos.
O que é o Pantanal
Entre o Mato Grosso do Sul e o Mato Grosso, no Centro-Oeste brasileiro, o Pantanal ocupa uma área de 210 mil km² e é o menor bioma do país.
A região é dividida em Pantanal Sul (MS), com destaque para cidades como Miranda, Aquidauana, porta de entrada do Pantanal, e Corumbá, uma das cidades mais antigas da região; e Pantanal Norte (MT), formada por destinos como Cáceres, Poconé e Barão de Melgaço.
Um dos destaques da porção norte é o Parque Estadual Encontro das Águas, considerado o melhor local para observação de onças.
De agosto a novembro, a atrações mais impactante são os safáris de observação de onças, pela manhã bem cedo e no final de tarde, quando os felinos são vistos com mais facilidade.
Para ver animais aos montes, a melhor época vai de julho a setembro, quando o nível dos rios baixa e os bichos buscam água e alimento nas margens de estradas, para delírio dos visitantes.
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Perrengues pantaneiros
Para Cláudia Gaigher, visitar o Pantanal é como deixar as ondas do mar levar o cansaço.
Mas o bioma também não poupa ninguém quando ao assunto é perrengue.
Em mais de duas décadas na região, a repórter fez longos deslocamentos por estradas sem pavimentação, viajou em pequenas embarcações durante dias e aprendeu que os raros estabelecimentos comerciais podem ficar a 100 km de distância um do outro.
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“Na vendinha do seu Quequé, comemos um salgado e um refrigerante que custaram o preço de uma refeição das boas na cidade”, lembra Cláudia que, anos depois, descobriu o motivo do apelido do proprietário.
“Quem quer, quer, e paga”, explica.
Por isso, até hoje, levar um kit de sobrevivência com snacks, frutas e sanduíches é o melhor investimento para deslocamentos Pantanal adentro.
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“Diário de uma repórter no Pantanal” é de um raro (e discreto) didatismo que passa por temas como geologia, biologia e preservação ambiental e, ao mesmo tempo, coloca o dedo na ferida de temas mais delicados.
Em breves capítulos, o leitor circula por assuntos como as temperaturas acima da média, cheias violentas e os últimos incêndios, quando a repórter viu cenas de horror, como animais desesperados por refúgio e motoristas presos na estrada, envoltos por cortinas de fumaça.
“Mesmo conhecendo o lugar há mais de vinte anos, não reconheci a paisagem. Parecia que uma bomba tinha explodido e devastado tudo”, conta sobre o incêndio de 2019 que, segundo a autora, chegou a derreter o solado de sua bota.
Em outros capítulos, a autora lembra também os arriscados mergulhos com jacarés (“quase infarto”), voo impedido pelo mau tempo (“uma das noites mais difíceis nesses anos de Pantanal”) e causos pantaneiros capazes de dar arrepio (“se arrepiar, é o Mãozão”), lembra Cláudia sobre uma das lendas contadas por ali.
“DIÁRIO DE UMA REPÓRTER NO PANTANAL”
(CLÁUDIA GAIGHER)
DOCUMENTA PANTANAL, 2022
360 PÁGINAS
R$ 60
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