João Rubinato, o eterno Adoniran Barbosa da Saudosa Maloca, já foi entregador de marmita, varredor, tecelão, encanador, pintor e garçom. Mas seu melhor ofício foi o de “poeta da cidade”.
E é o que o público confere, desde março, quando chegou aos cinemas a comédia Saudosa Maloca, com direção de Pedro Serrano e Paulo Miklos no papel de Adoniran.
A aposta é alta e o longa entra em cartaz em mais de 30 cidades brasileiras, entre elas, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e diversas capitais do Nordeste.
O longa traz as lembranças do compositor e cantor, que narra ao garçom Cícero, o Ciço, histórias de uma São Paulo que não existe mais, lembrando dos amigos Matogrosso (Gustavo Machado e Joca (Gero Camilo), ambos apaixonados por Iracema (Leilah Moreno), personagens que saltam das letras bem humoradas de Adoniran para essa ficção malandra de diálogos ágeis.
– “Vamos voltar pro butiquim?”, pergunta a moça depois de uma noite de prazeres.
– “Não posso, minha mãe não dorme enquanto eu não chegar”, responde o malandro Joca.
Qualquer semelhança com Trem das Onze, o clássico que consagrou Adoniran como o “pai do samba paulista”, é pura sacada desse roteiro bem amarrado por Serrano, Guilherme Quintela (‘Meu Amigo Hindu’) e Rubens Marinelli (‘O Santo Maldito’).
Em forma de flashback, o recorte é a convivência dos amigos Adoniran, Joca e Mato Grosso que, entre uma cachaça e outra, precisam se arranjar para encontrar outra maloca para morar, depois que o ‘dono mandô derrubá’.
– “Os homis tá cá razão. Nós arranja outro lugar”, diz Paulo Miklos, no papel impagável do protagonista, mezzo caipira mezzo italiano.
Como descreveu Miklos, em entrevista para a jornalista Simone Zuccolotto, “[Adoniran] é um personagem que ele criou para si próprio e [com] essa maneira de falar o adonirês”.
O longa é a materialização de clássicos do compositor paulista, seja em forma de diálogos ou de cenografia, como As Mariposas, canção lembrada na cena com quatro mariposas dando voltas em uma lâmpada da maloca.
É Adoniran para ver e ouvir no cinema, nesse filme que tem como protagonista a urbanização acelerada da cidade de São Paulo (mas pode ficar tranquilo que não se trata de um musical, muito menos de uma colagem solta de músicas para agradar fãs).
“As mariposa quando chega o frio
(‘As Mariposa’ – Adoniran Barbosa)
Fica dando vorta em vorta da lâmpida pra si isquentá
Eu sou a lâmpida e as muié as mariposa”
Outra referência é Iracema, que não só empresta seu nome para a cobiçada balconista do bar frequentado pelo trio, mas tem também seu enredo contado no longa (e se você ainda não conhece a letra do samba, o que eu duvido, melhor ouvir depois para evitar spoiler).
“Metáfora das experiências de perda na cidade grande, Iracema imprime um sentimento de desalento frente ao irremediável da dor da separação”, analisa o pesquisador Francisco Rocha, no livro Adoniran Barbosa: O Poeta da Cidade (Ateliê Editorial).
Saudosa Maloca e Samba do Arnesto, com direito a dar de cara na porta, no Brás, também estão no roteiro desse longa que ainda tem no elenco Sidney Santiago Kuanza, como Cícero, e Noemi Marinho, como a mãe do Joca, aquele que mora lá no Jaçanã.
A homenagem ao “Chaplin do Samba Paulista”, como Adoniran foi chamado em uma reportagem no Jornal da Tarde, em 1980, se repete na interpretação circense da dupla Machado-Camilo que garante o tom clown teatral, quando seus personagens Joca e Matogrosso se arrumam para procurar trabalho ou na cena em que ambos fazem dois pãezinhos espetados num garfo dançarem no ar.
A São Paulo em Saudosa Maloca
Sétimo filho de um casal de imigrantes italianos, João Rubinato nasceu em Valinhos, em 1910, e morou em outras cidades paulistas, como Jundiaí e Santo André. Mas foi na cidade grande que o “narrador da metrópole” bebeu, literalmente, para compôr suas crônicas cantadas.
Por isso, no longa de Serrano, vencedor na categoria Melhor Filme nos festivais de Gramado (RS) e de Bilbao (Espanha), a cidade de São Paulo tem papel fundamental na construção do roteiro.
Na capital desde 1932, Adoniran morava numa pensão na Ladeira Porto Geral. Mas, na história contada agora na tela grande, sua famosa maloca é ambientada na Vila Itororó, conjunto de casas de aluguel erguidas com materiais de demolições, a partir da década de 1920.
Localizado na Bela Vista, às margens da avenida 23 de Maio, o local , que atualmente é um centro cultural, ficou famoso pelo palacete com colunas, terraço, fontes e esculturas, algumas delas retiradas do antigo Teatro São José.
Já a fotografia de Lito Mendes da Rocha imprime o tom nostálgico da obra, seja nas poéticas cenas gravadas sobre o Viaduto Santo Efigênia ou no azul acinzentado dos momentos em que Adoniran conta suas histórias para o garçom Ciço, contrapondo-se às lembranças solares do compositor, em tons amarelados e mais claros.
Se, naquela época, “pogréssio” combinava com trabalho, em Saudosa Maloca, progresso é arte.
SAIBA MAIS
Saudosa Maloca
Estreia nos cinemas, em 21 de março
Ficha Técnica
Produção Executiva: Renata Martins e Giovana Amano
Elenco: Paulo Tiefenthaler, Carlos Gimenez, Izak Dahora, Zemanuel Piñero, Ney Piacentini, Leiza Maria, Tassia Cabanas, Guilherme Rodio, Dagoberto Feliz, Raimundo Moura, Victor Salomão, Guilherme Conceição, Rodrigo Mazzoni, Eduardo Zanotti, Fabio Carvalho, Nataly Cabanas, Bruno Faldini e Alex Mazzanti
Direção de arte: Claudia Terçarolli
Gênero: drama, comédia
País: Brasil
Ano: 2023
Duração: 108 min
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