* este texto abre a série de especiais que o Viagem em Pauta preparou em comemoração aos 35 anos da queda do Muro de Berlim, em novembro de 2024
Para os alemães isolados pelo Muro de Berlim, a solução para uma vida melhor era cruzar, ilegalmente, aquela barreira ideológica e política que funcionou de 1961 a 1989.
Uma das imagens mais populares é a foto do cabo Hans Conrad Schumann, responsável pelo controle em uma das fronteiras entre os dois estados alemães, na Bernauer Strasse, uma das ruas mais icônicas da época.
Em 15 de agosto de 1961, em um ponto onde apenas uma barreira feita com arame farpado separava o país, Schumann se viu tentado pelos chamados insistentes de policiais da Berlim Ocidental do outro lado da barreira de estrutura ainda frágil.
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Schumann então largou sua submetralhadora automática no chão, saltou sobre o arame farpado e entrou correndo no interior do carro policial que já estava com o motor em funcionamento à sua espera.
Conhecido como o primeiro desertor do sistema comunista da Alemanha Oriental, o cabo teve seu salto eternizado pelo jovem repórter Peter Leibing.
Como lembra o escritor Ignácio de Loyola Brandão, Schuman acabaria se tornado um símbolo da Guerra Fria, sob o título que lhe seria impresso em sua biografia: “escolheu a liberdade”.
Liberdade = criatividade
Segundo a Stasi, a polícia secreta da Alemanha Oriental, mais de três mil pessoas foram presas, entre agosto e dezembro de 1961, ao tentarem cruzar a fronteira, ilegalmente.
E valia qualquer coisa para conseguir a liberdade.
Uniformes militares caseiros feitos com material contrabandeado serviram de disfarce em uma fuga de 1962; malas interconectadas com interior prolongado que servia de refúgio para a noiva de um francês, em 1971; e até via aéreas foram usadas por famílias, como os Streizyk e Wetzel que fugiram em um balão caseiro de ar quente, em 1979.
Outras alternativas davam esperanças a quem queria deixar a cidade, como a falsificação de passaportes estrangeiros que permitiam cruzar a fronteira para o Ocidente, serviço organizado por estudantes e com uma certa conivência não oficial de autoridades também ocidentais.
Aparatos de fuga, por exemplo, se encontram em exposição no Mauer Museum, museu de Berlim com acervo dedicado ao muro, como a fuga de 29 pessoas, entre 1971 e 1973, no interior de uma máquina de solda de 260 quilos, cujas extremidades eram protegidas por uma placa elétrica, de um lado, e cabos, do outro, impedindo que os refugiados fossem vistos em seu interior.
Novos esquemas começaram a surgir nos anos seguintes como as fugas pela rede subterrânea de esgoto em Berlim que, por vezes, foram descobertas por conta do rastro deixado pelo cheiro do bueiro impregnado nas roupas dos fugitivos.
A partir de 1962, túneis sob o solo arenoso de Berlim foram construídos e, dois anos mais tarde, mais de 70 deles eram usados para fugas em direção à Alemanha Ocidental.
O mais famoso deles foi o Túnel 29, localizado sob o número 78 da rua Bernauer. Com orientações de dois italianos da Universidade Livre da Alemanha Ocidental, Mimmo e Gigi, o túnel foi feito com a ajuda de 41 voluntários e facilitou a fuga de 29 pessoas, em duas noites de operação, em setembro de 1962.
A construção só seria descoberta pela Stasi, dias mais tarde, quando o rompimento da tubulação alagaria o túnel e a esperança daquela gente em seguir escapando para o Ocidente.
Curiosamente, as escavações eram financiadas por meios de comunicação interessados em notícia e fotos exclusivas como a revista semanal alemã Stern e a rede americana NBC que chegou a oferecer transmissores de rádio e adiantou 50 mil marcos alemães para a construção do Túnel 29, em troca da cobertura jornalística.
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Outra passagem ilegal famosa foi o Túnel 57, conhecido também como Túnel Fuchs.
O idealizador Wolfgang Fuchs e estudantes voluntários construíram uma passagem subterrânea com 145 metros de comprimento e 70 centímetros de altura por onde 57 pessoas conseguiram fugir para o oeste, entre os dias 3 e 5 de outubro de 1964.
Na noite do mesmo dia cinco, o túnel seria invadido por dois homens que se passaram por fugitivos e, ao deixarem o local para buscar um suposto amigo que os esperava do lado de fora do túnel, retornaram com policiais de fronteira (os Grepos), dando início a um tiroteio histórico que tiraria a vida do soldado oriental Ergon Schulz.
Por conta desses últimos acontecimentos fatais, acompanhados de uma certa desconfiança geral sobre possíveis desvios do dinheiro doado pelos meios de comunicação, a era dos túneis se encerrava naquele início de outubro de 1964.
Segundo o historiador Frederick Taylor, o Túnel 57 teria sido “o último projeto de fuga sem fins lucrativos, no qual nada se cobrou dos fugitivos”. Daquele momento em diante, “cobrava-se em dinheiro vivo, que de bom grado era pago”.
E o Muro de Berlim faz a 1ª vítima
O jovem alfaiate Günter Litfin é considerado o primeiro fugitivo morto pela polícia de fronteira, em 1961. Günter foi assassinado ao tentar fugir pelo rio Spree, após uma abordagem de um policial da TraPos, como era conhecida a Transportpolizei.
A emocionante visita ao Gedenkstätte Günter Litfin, memorial em homenagem a Günter, acontece no alto de uma antiga torre de observação, no distrito de Spandau, em Berlim, uma das únicas construções originais da época.
Já a Bernauer Strasse é endereço, atualmente, da Janela da Memória, uma sequência de fotos que homenageia mortos e feridos que tentaram cruzar as fronteiras, e a Capela da Reconciliação, uma construção de taipa oval com um revestimento de ripas de madeira que celebra missas em nome dos mortos.
O Muro em números
Os fugitivos estavam cada vez mais ousados. E as fronteiras também.
O Muro de Berlim teve versões que chegaram a 3,6 metros de altura, mais largo e com o topo arredondado para evitar novas evasões;
Segundo números oficiais, os 28 anos de separação alemã causaram 138 mortos (100 tentando deixar a Alemanha Oriental; 30, acidentalmente; e 8 soldados orientais assassinados por desertores, fugitivos ou até companheiros de trabalho);
Atualmente, o Bautzner Straße Memorial, em Dresden, funciona em um dos endereços mais temidos da época: as dependências da Stasi. Essa penitenciária chegou a abrigar de uma só vez 432 presos, ao longo de 4 andares, 44 celas minúsculas com rara ventilação, sob um sistema de reclusão que durava quatro meses, aproximadamente. Calcula-se que por ali passaram, entre 1954 e 1989, de doze a quinze mil detentos;
Em 1989, o Muro de Berlim se estendia por 155 quilômetros e era reforçado com 302 guaritas, 20 bunkers, 259 áreas para cães, mais de 105 quilômetros de trincheiras anti-veículo e quase 130 quilômetros de cerca elétrica;
Com 368 metros de altura, inaugurada pouco antes do 20º aniversário da fundação da República Democrática Alemã, em 3 de outubro de 1969, a Torre de Televisão de Berlim foi erguida na Alemanha Oriental para mostrar seu poder para o resto do mundo, funcionando como torre de telecomunicações da RDA.
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