Viajar com Pepe Mujica é trocar os aviões privados pelos longos deslocamentos de carro; é vê-lo descer, armar sua cadeirinha de praia e comer pão com milanesa, ali mesmo na estrada.
Esse é o clima que o diretor uruguaio Pablo Trobo fez questão de estampar em seu filme de estreia, “Os Sonhos de Pepe”, que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 5 de dezembro, onde o ex-presidente do Uruguai compartilha sua vida simples no campo, sua filosofia, sonhos e… viagens.
“O viajante que quisemos imprimir no filme é um Pepe que viaja levando sua mensagem, pregando de país em país, causando reações por onde passa. Queríamos relatar um presidente que viaja como qualquer outra pessoa, com sua malinha”, explica Trobo, em entrevista exclusiva para o Viagem em Pauta.
Uma das cenas que o diretor conta ter feito questão de deixar no corte final, apesar de dizerem que estava muito longa, é a de Pepe esperando para entrar na Europa, ainda no guichê de imigração.
“Não podemos acreditar que um presidente fique 15 minutos esperando”, diverte-se.
Em outro momento, Trobo lembra que, recentemente, o ex-presidente foi de carro a Foz do Iguaçu, algo em torno de 1.500 km de distância e quase um dia e meio de estrada. Pepe se recusou a viajar em um avião privado para ir falar sobre mudanças climáticas.
“E o cara, aos 90 anos, saiu em direção a Foz de Iguaçú”, conta o diretor.
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As viagens de Pepe Mujica
Em quase 1h30 de filme, o espectador acompanha Pepe Mujica, desde sua posse, em março de 2010, em Montevidéu, até experiências marcantes como sua visita ao Japão e seu discurso em Nova York, o único de sua carreira, previamente, escrito e ensaiado na noite anterior, como Trobo conta para a reportagem.
No longa, vê-se também um Pepe simples, frequentando salas comuns de aeroportos, renunciando, mais uma vez, aos símbolos de poder, embora pudesse se refugiar em ambientes VIPs para gente privilegiada.
Por se tratar de um filme familiar, financiado pelos próprios Trobo, a produção nem sempre pôde acompanhar o ex-presidente em todas as suas viagens (“tínhamos que decidir pagar as contas ou ir ao Japão”), assim, foram selecionados os registros que melhor dialogassem com a proposta do roteiro.
E, se ficou algo de fora, é porque Trobo, que também assina a produção, montagem e fotografia, considerou que não serviria para a história, a primeira que ele pretende fazer de uma trilogia que deve ter seu segundo capítulo, em 2026.
No entanto, os deslocamentos na viagem não-viagem que Trobo propõe não são os fins, mas os meios para levar o espectador a reflexões sobre o futuro do planeta.
“O Movimiento 2052 [subtítulo do filme] é porque Mujica sempre diz que ele não é um homem de partido, mas de movimento. Ele projeta no futuro o que o preocupa hoje, em um mundo que ele sequer vai ver”, explica.
Feito à mão
Mais do que um documentário, “Os Sonhos de Pepe” é um diário de bordo visual, costurado por trechos de diferentes discursos do ex-presidente e acompanhado de notas de rodapé (e que lucidez de notas!) que explicam os males do planeta e suas possíveis soluções.
Mais do que uma biografia de Pepe, é uma biografia do mundo.
“O discurso que montei na edição são fragmentos de discursos em diferentes viagens, é um discurso novo dele”, explica o diretor sobre o patchwork de falas, imagens e trilha sonora que ele mesmo chama de filme “costurado à mão”.
“Levei 15 anos para fazê-lo, então tentei pôr todo o conhecimento que eu tinha acumulado nesses anos como jornalista. Eu não queria que fosse um documentário tradicional, isto é um filme artesanal feito por humanos. Por isso, os efeitos são artesanais”, conta o diretor, que acompanha Pepe, há 15 anos, desde que começou a trabalhar na campanha do então candidato, selecionando as imagens que sairia na imprensa.
Mas seu primeiro filme é também sua própria biografia.
A trilha sonora do seu tio, Mauricio Trobo, por exemplo, resgata músicas da infância do diretor, quando seu pai viajava com eles ao som de ‘O Trenzinho do Caipira’ (sim, caro leitor, ver Uruguai, Mujica e Heitor Villa-Lobos numa mesma cena é uma das experiências mais marcantes que vi na cinematografia sul-americana).
“Tem essa sensibilidade, como se fosse um filme neorrealista, e era isso que eu queria que tivesse no filme, esse sentimento de carinho, embora seja uma música super mecânica que remete ao movimento do trem. Villa-Lobos interpreta o Brasil, mas também nos interpreta como continente”, conta.
No seu filme está também o complexo de edifícios Euskal Erría, onde nasceu, em Montevidéu; tomadas aéreas de Cabo Polonio, povoado sem energia elétrica que se ilumina com a luz de um farol, em Rocha; e uma praia em José Ignacio, a versão artística de Punta del Este.
“Tem muitas coisas que são minhas também, um filme sempre precisa ter algo do diretor, uma história que também conte um pouco de quem a está contando. Se não, não faz sentido, você vira só um algoritmo”, compara.
Em tempos em que já não se sabe para que lado tende a esquerda e a direita, Trobo acredita que Pepe Mujica é uma espécie de “apóstolo da sua filosofia e dá corpo ao que pensa”.
“Por isso, ele viaja, viaja porque…”, diz o diretor, antes de ouvir a esposa, Carolina Trobo, completar a frase, no fundo da sala da entrevista.
– “porque ele comunica, porque ele une”, completa Carolina, mais uma da família a costurar a imensa colcha de retalhos.
SAIBA MAIS
“Os Sonhos de Pepe” (Los Sueños de Pepe – Movimiento 2052)
Sinopse
Em um planeta a caminho do colapso climático, onde a humanidade persegue um modelo predatório de desenvolvimento e consumo, a filosofia do ex-presidente do Uruguai, Pepe Mujica, acende um alerta em todos nós. O sonho de Pepe é deixar um planeta melhor para as gerações futuras. No entanto, o tempo está se esgotando e não pode ser recuperado.
Ficha técnica
Ano: 2024
Direção/produção/montagem/fotografia: Pablo Trobo
Gênero: Documentário
Duração: 86 min
Idioma: Espanhol / Inglês
Empresas produtoras: Atlantida Estudios / Tangerina Films
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