De malas para Buenos Aires, Christiane Tricerri indica séries da Argentina


Segundo o escritor e viajante suíço Nicolas Bouvier, uma viagem pode te fazer (ou te desfazer). E é o que parece ter acontecido com a atriz Christiane Tricerri, depois da sua última temporada em Buenos Aires.

Nos palcos desde os 16 anos, a paulistana não costumava ter o cinema como primeira opção de trabalho, mas desde que participou das oficinas da escola Cine para Actores, na capital da Argentina, em outubro do ano passado, Tricerri é só buena onda.

“[O cinema argentino] era um dos meus sonhos. Eu amo os filmes deles, que sabem contar bem uma história e sempre partem de bons argumentos e roteiros”, analisa, em entrevista para o Viagem em Pauta.

Recentemente, Tricerri foi convidada para participar do elenco do longa ‘En el cine’, que começa a ser gravado em Buenos Aires, ainda em fevereiro, e será seu primeiro trabalho cinematográfico internacional.

foto: Isadora Tricerri

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Tango mío

Seu mergulho mais recente no mundo hispano é o monólogo ‘Frida, Viva la Vida’, em que interpreta a pintora mexicana Frida Kahlo, durante um dia de preparo de comida para os vivos e os… mortos. O espetáculo tem texto de Humberto Robles e direção de Cacá Rosset.

No cinema argentino, Tricerri vai ser dirigida pela atriz Moro Angheleri, que também coordenou as vivências das quais a brasileira participou. ‘En el cine’ – que pode virar uma série – conta a história de um grupo de pessoas que ficam presas num cineclube, quando uma revolta social estoura do lado de fora. A partir daí, o confinamento gera uma série de discussões e reflexões sobre a realidade (deles e do próprio país).

Qualquer semelhança com a delicada situação da indústria cinematográfica local, atualmente, soa como inspiração no desmonte pelo qual passa o INCAA (Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales), agência pública de fomento e regulamentação do audiovisual na Argentina, uma espécie de Ancine local.

“O cinema nacional está no pior momento do cinema argentino, então a gente está muito doente, sem trabalho, tentando fazer filmes e séries como pudermos”, desabafa Angheleri, em depoimento por áudio enviado ao Viagem em Pauta.

Moro Angheleri (foto: Arquivo Pessoal)

Angheleri, que não economiza nos adjetivos para descrever a dedicação de Tricerri (“muito simpática, estudiosa e legal”), ainda não sabe se a atriz brasileira irá atuar em português, espanhol ou no “tradicional” portunhol.

“Gosto muito dessa ideia de ampliar o universo narrativo para que não seja uma equipe só com pessoas de Buenos Aires, mas que abra também o leque de personagens. Todos adoraram ter Christiane no elenco, ela vai ser ótima para o filme”, analisa a diretora.

A propósito, a atriz argentina que vai dirigir a convidada atuou em produções conhecidas por aqui, como ‘O Passado’, longa de Hector Babenco com Gael García Bernal no elenco; ‘Flor do Caribe’, novela da TV Globo em que interpretou Cristal; e, mais recentemente, foi Paola, na série ‘Meu Querido Zelador’ (Star+).

No roteiro assinado por Roberto Rojas Apel, a comunicação com o mundo exterior será feita com a personagem de Tricerri, uma correspondente de guerra de férias na cidade e que começará a enviar por telefone relatos sobre a situação.

“Quando eu estava indo embora [no ano passado], eu disse que se eles me quisessem, eu voltaria, e eles me quiseram. O roteirista até escreveu uma personagem para mim”, comemora a brasileira.

E a brasileira já tem até um endereço portenho para chamar de seu.

Na sua última passagem por Buenos Aires, Tricerri se encantou com o Boliche de Roberto, um bar com tudo que a cidade tem de melhor para oferecer: bebidinhas, empanadas e música.

“É um bar com velhos tocando tango, mas frequentado pela moçada. Eles te veem sozinha, mas fingem não te notar. Parece coisa de cinema”, conta a brasileira sobre esse bar portenho, no bairro Almagro, próximo a Palermo e Recoleta.

foto: Letícia Polan

Buenos Aires: tão perto, tão longe

A Argentina é considerada uma das maiores indústrias cinematográficas da América Latina, sobretudo, por conta da maior profissionalização do setor e pelo acesso ao extenso mercado de língua espanhola, que inclui também os hispanos nos Estados Unidos.

No que se refere ao contar histórias, no Brasil, muitas delas ainda são voltadas para o seu próprio público. Já na Argentina, suas particularidades se vestem de universalidade, em forma de histórias mínimas que atraem espectadores além fronteiras.

“Lá, existe uma roteiro de câmera, de contar a história através da câmera. Já no Brasil é um cinema de texto, principalmente, por conta da influencia do rádio. A gente tem também um pé na chanchada, no teatro de revista, que é maravilhoso”, compara Tricerri, que vem se interessando também pelo trabalho de roteirista.

Aliás, durante nossas trocas de mensagens pré-entrevista, Tricerri me indicou um dos filmes argentinos mais diferentes que vi nesses anos todos como fã das produções daquele país. ‘Causalidade’ (2021), disponível no Prime, é um thriller psicológico que se passa num hospital de Buenos Aires, cuja história de desaparecimento de uma paciente é contada num plano sequência de quase duas horas de duração.

A direção de fotografia é outro aspecto do cinema vizinho que tem impressionado a brasileira. “Acabei de descobrir que realmente a luz na Argentina não é tão quente como a do Brasil, lá é uma luz muito mais difusa. Eles têm esse olhar difuso que traz uma fotografia muito especifica, suave e delicada”, compara.


Entre as produções argentinas preferidas de Tricerri estão ‘O Segredo dos Seus Olhos’, Oscar de Melhor Filme Internacional, em 2010, e o premiadíssimo ‘Relatos Selvagens’, de 2014.

Já dos títulos mais recentes, a brasileira gosta da imperdível ‘O Faz Nada’ (2023, Star+), com participação de Robert de Niro e com Luis Brandoni no papel de um crítico gastronômico rabugento. A série é dos mesmos criadores de ‘Meu Querido Zelador’, dos produtores e diretores Gaston Duprat e Mariano Cohn, que Tricerri também recomenda.

“Além da Buenos Aires das comidas, a série [Nada, no original em espanhol] também nega os modismos e os estereótipos, além de ter as interpretações dos dois atores, que estão maravilhosos”, descreve.

Na mesma plataforma, a atriz sugere ainda ‘O Museu’ (2024), comédia também da dupla Duprat e Cohn, sobre situações inusitadas na gestão de um museu em Madri. “[A série] não tem uma continuidade, eu gosto disso também, meio que acaba e não fica se estendendo”, analisa a atriz.

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Divulgação

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Já em setembro do ano passado, a Netflix lançou ‘Invejosa’ (Envidiosa, na versão original) sobre uma mulher na meia-idade, cheia de neuras, questionamentos e… invejas.

“Ela [Griselda Siciliani como Victoria Mori] é fantástica, as atrizes são fantásticas e a série desmistifica um pouco a coisa da inveja, que é só mais um sentimento humano. É um reconhecimento que todo mundo tem muito medo”, diz Tricerri sobre essa série argentina que ganha segunda temporada, na próxima quarta-feira, 5 de agosto.

Perguntada pela reportagem sobre seus títulos brasileiros preferidos, a argentina Moro Angheleri confessou que gosta muito das produções desde a década de 1960 (“nem tudo, claro”).

“O cinema brasileiro tem um potencial enorme, tem autores e atores incríveis, com uma personalidade brasileira num tipo de relato que eu acho único”, analisa Angheleri, que ainda não viu ‘Ainda estou aqui’, com Fernanda Torres e Selton Mello, e indicada em três categorias do Oscar 2025.

Entre os filmes nacionais, a argentina indica ‘O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro’ (1969), de Glauber Rocha; ‘Pixote, a Lei do Mais Fraco’, de Hector Babenco (1981); ‘Central do Brasil’, de Walter Salles (1998), ‘Aquarius’ (2016) e ‘Bacurau’ (2019), ambos de Kleber Mendonça Filho.

E, antes de terminar, confessa que também é fã e que ri muito com o ‘Porta dos Fundos’, “mas aquilo não é cinema, não”.

Moro Angheleri (foto: Aqruivo Pessoal)

Crowdfunding

Assim como Angheleri contou para a reportagem, ‘En el cine’ segue na etapa de pré-produção, inclusive buscando formas de financiamento coletivo.

Para quem quiser apoiar a produção com a brasileira Christiane Tricerri no elenco, é só acessar o perfil @cineparaactores para mais informações, no Instagram, ou via PIX, pela conta aberta no Brasil para doações em reais.

“Nesse contexto [de crise do cinema argentino], acho que a ‘Cine para Actores’ tem espaço especial porque estamos tentando encontrar um outro jeito de produzir e tentar fazer coisas dignas. Um dia, tentaremos viver disso, mas agora é só artístico”, finaliza Angheleri.

Saiba mais sobre o financiamento coletivo:

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