8 de março: mulheres viajantes que precisam ser lembradas

Quando a pioneira da aviação nos Estados Unidos desapareceu, misteriosamente, no Pacífico, em 1937, não era de se esperar que mulheres fizessem travessias transoceânicas, muito menos curso de mecânica de carros.

Mas Amelia Earhart, não só fez como também quebrou perspectivas (e preconceitos).

Aos 34 anos, essa estadunidense do Kansas atraiu a atenção do mundo com um voo solo de quase 15 horas de duração, sem escalas, a bordo de um monoplano Lockheed Vega 5B, entre Terra Nova, no Canadá, e a Irlanda do Norte, na Europa. Seu currículo empoderado incluiria também títulos como o de primeira mulher a pilotar um autogiro (aeronave precursora do helicóptero) e realizar o pioneiro voo solo entre o Havaí e a Califórnia, em 1935.

Se, ao longo da História, o viajar esteve associado ao mundo masculino, com seus relatos viris, aventureiros e conquistadores, as mulheres desta matéria provaram que o casamento e o lar não eram as únicas opções.

Para celebrar este 8 de março, o Viagem em Pauta selecionou algumas das mulheres atrevidas que ousaram trocar corte, costura e panelinhas pelo mundo lá fora.

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Amelia Earhart (foto: Creative Commons)

NÍSIA FLORESTA
Depois de perder a mãe, um ano antes, a primeira feminista do Brasil fez uma espécie de viagem de cura para se distrair com as novidades das paisagens europeias, entre agosto e setembro de 1856, quando visitou não só a Alemanha, mas também a Bélgica e o interior da França.

“Viajar é o meio mais seguro de aliviar o peso de uma grande dor que nos mina lentamente”, escreveu a brasileira, enquanto fazia sua segunda viagem pelo Velho Continente, entre 1856 e 1872.

Publicado, originalmente, em francês, Itinerário de uma viagem à Alemanha (Editora Mulheres) também garantiu o elo com o Brasil por meio de palavras escritas em português, sobretudo, as que carregavam certa brasilidade, como jangada, saudade floresta.

Foi naquela mesma viagem que Nísia também escreveu Três anos na Itália seguidos de uma viagem à Grécia (editora IFRN).

“Nísia fazia pesquisas antes de viajar. Ela era uma estudiosa e não uma viajante ingênua. Nas viagens à Alemanha, por exemplo, não só descrevia uma praça, mas contava o que havia acontecido ali, um século antes”, lembra a biógrafa  Constância Lima Duarte, em entrevista para o Viagem em Pauta.

Wikimedia Commons

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FLORENCE DIXIE
Essa escocesa ficou conhecida como a primeira mulher a desbravar a Patagônia, durante sua travessia pelas montanhas dos Andes argentinos e chilenos, entre o final de 1878 e 1879.

Assim como a própria viajante conta em seu relato da viagem, a escolha do destino foi uma forma de estar o mais distante possível da civilização. Apesar de estar viajando acompanhado de seu marido, dois irmãos e um servo, Dixie é a protagonista de seu livro “Across Patagonia”.

Aquele grupo de viajantes estrangeiros é considerado o primeiro a avistar pela primeira vez as Torres del Paine, que Dixie chamou de ‘Agulhas de Cleópatra’, em referência a um par de obeliscos de origem egípcia, atualmente, em Londres, na Inglaterra.

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NELLIE BLY
Entre novembro de 1889 e janeiro do ano seguinte, essa repórter estadunidense correu contra o relógio para dar a volta ao mundo, em menos tempo que o personagem fictício Phileas Fogg em ‘Volta ao Mundo em 80 dias’, de Júlio Verne.

Tomou vapores, trilhou ferrovias e subiu em riquixás para provar que a estrada também é lugar de mulheres (e com bem menos bagagem do que os clichês machistas costumam pintar meninas viajantes).

Em pleno final do século XIX, Bly fez história (e jornalismo) num mundo masculino, onde mulheres não fumavam, não usavam calças e muito menos eram encorajadas a viajar por aí desacompanhadas. Para saber mais, a dica é o delicioso ‘Volta ao Mundo em 72 Dias’, com traduções em português.

Porém, Bly ficaria conhecida como a pioneira do jornalismo investigativo, após seu livro ‘Dez Dias no Manicômio’, onde descreveu os horrores do Asilo de Mulheres Lunáticas, na atual Ilha Roosevelt, em Nova York.

Nellie Bly, LIVRO
Domínio Público

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FREYA STARK
Assim como lembra o Clube dos Exploradores, essa escritora francesa não só “desafiou as normas sociais e os obstáculos logísticos”, mas também mapeou regiões do Deserto Arábico em suas “narrativas vívidas com precisão antropológica”.

Irã, Iraque e Iêmen são alguns dos países nada tradicionais dessa viajante pioneira das explorações no Oriente Médio, no início do século XX.

E por falar em Oriente, não podemos deixar de lembrar outra viajante que fez histórias, literalmente, no Oriente.

Autora de 66 romances policiais e 14 coleções de contos, a escritora britânica AGATHA CHRISTIE viajou desde cedo, sobretudo na infância e na adolescência. Uma de suas mais longas viagens foi a volta ao mundo com seu primeiro marido, Archibald Christie, entre janeiro e dezembro de 1922.

Após conhecer um jovem casal que acabara de voltar de Bagdá, no Iraque, num jantar em 1928, Christie reservou um bilhete no luxuoso trem Expresso do Oriente, contrariando a ideia de que mulher solteira não deveria viajar sozinha.

Ela e a literatura nunca mais seriam as mesmas.

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foto: Creative Commons

Foi numa dessas viagens de trem que a escritora criou uma de suas obras mais famosas.

Em 1929, seu trem proveniente de Istambul foi pego de surpresa por uma forte tempestade e ficou retido por seis dias em Tcherkesskeuy, atual Çerkezköy, na Turquia, tempo suficiente para a “Dama do Crime” criar tramas de mistério protagonizado pelo detetive Hercule Poirot.

Não só sobraram ideias na mente da escritora, que sempre viajava com sua máquina de escrever, como também casos bizarros de passageiros, como a do marajá que teria comprado casacos de outros viajantes a um preço superfaturado para cobrir suas sete esposas, durante a congelante parada do trem.

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THEREZA DE MARZO
Filha de um pai que acreditava que “lugar de mulher era dentro do lar”, essa paulistana é a primeira brasileira a receber o diploma de piloto-aviador internacional, cujo brevê foi tirado após um voo solo, em 7 de março de 1922.

Porém, ao se casar com o instrutor Fritz Roesler, quatro anos mais tarde, Thereza foi proibida de continuar voando, sob a alegação que já bastava um aviador na família. Com 329 horas e 54 minutos de voo em caderneta, a pioneira dos ares brasileiros encerrava a carreira quatro anos depois de iniciada.

Em solo, Thereza continuou trabalhando com o marido na aviação, em projetos como a criação da Escola de Pilotagem e do Clube de Planadores, no Campo de Marte (SP), onde o engenheiro Roesler fabricou os primeiros planadores EAY-101 e os aviões “Paulistinha” EAY-201.

Thereza de Marzo (foto: Instituto Embraer/Divulgação)

ANÉSIA PINHEIRO MACHADO
Essa paulista de Itapetininga divide com Thereza o título de primeira aviadora brasileira, cujo brevê nº 77 foi recebido com diferença de apenas um dia, segundo o historiador Roberto Pereira.

Instruída pelo mesmo Fritz Roesler, Anésia estreou na aviação em um voo de São Paulo para Santos, no litoral paulista. Mas aquilo foi pouco e, meses depois, ficaria conhecida como a primeira mulher a comandar um voo interestadual no Brasil.

A viagem entre São Paulo e o Rio de Janeiro foi feita em um monomotor Caudron G3 (“Bandeirante”) e durou quatro dias até o destino final. O desafio era voar apenas 1h30 por dia, já que era preciso fazer diversas paradas para reabastecimento e manutenção da aeronave.

E adivinha quem estava à sua espera na chegada ao Rio de Janeiro?

Além de autoridades, Anésia foi recebida por ninguém menos que Alberto Santos Dumont, quem lhe deu uma réplica de uma medalha de ouro recebida pela princesa Isabel, cuja peça a aviadora levou consigo como amuleto até o final da vida.

Anésia Pinheiro Machado (foto: Instituto Embraer/Divulgação)

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