Muito antes de bater os 600 mil ingressos nos cinemas com seu ‘Homem com H’, o diretor e roteirista Esmir Filho já encabeçava um dos maiores sucessos do Youtube.
Há quase duas décadas, quando ainda era estudante do curso de Cinema, em uma universidade de São Paulo, Esmir e mais dois colegas de classe, Mariana Bastos e Rafael Gomes, convidaram Maria Alice Vergueiro (1935 – 2020) para atuar em um curta-metragem sobre uma síndica de um prédio que reclamava dos moradores.
Em 2006, o trio universitário e a atriz do Oficina e uma das fundadoras do grupo Ornitorrinco nem imaginavam, mas seu ‘Tapa na Pantera’ abria uma nova era dos vídeos no Youtube.

Tapa na Pantera
Maria Alice até aceitou colaborar para o trabalho dos jovens universitários. Mas do jeito dela.
“Quando ela abriu a porta do apartamento, já estava com o cachimbo na mão e vestida daquele jeito. Ela estava no personagem e a gente começou a fazer perguntas para aquela senhora. E foi ficando hilário”, lembra Esmir, em entrevista para o jornalista Eduardo Vessoni, editor do Viagem em Pauta.
A história da tal síndica encrenqueira não vingou, e para aquilo tudo se tornar um dos primeiros vídeos virais no Brasil foi só uma questão de dois ou três peguinhas.
“Às vezes, você tem um plano, mas a cena se transforma de uma maneira, os atores e a locação proporcionam algo diferente. Eu não tenho medo de pisar nesse lugar novo”, avisa o cineasta, hoje, responsável pelo atual título mais visto na Netflix.
Três dias depois de estrear na plataforma, no último dia 17 de junho, a cinebiografia ‘Homem com H’ com Jesuíta Barbosa no papel de Ney Matogrosso estava no topo da lista de filmes mais assistidos da Netflix.

De volta à pré-história da internet, enquanto ‘Tapa na Pantera’ era inscrito em festivais de curtas, naquele mesmo ano, uma versão do vídeo vazou e Esmir começou a receber links de um site que ele não tinha ideia do que se tratava. Recém-criado, o YouTube dava os primeiros passos para se tornar a plataforma de vídeo mais popular do mundo.
“Comecei a entrar no perfil de cada um para pedir para retirar [o vídeo que tinham subido na plataforma]. Em poucos dias, todos os veículos estavam dando a notícia [sobre o sucesso da história]”, lembra Esmir.
Na época, em uma das inúmeras entrevistas que deu por conta do sucesso repentino, Maria Alice lembrou que o roteiro foi fruto de uma improvisação de uma hora de duração, em que ia falando o que vinha à cabeça.
“Fuma aqui e toma um chá. Fuma aqui e toma um chá.”
(‘Tapa na Pantera’)
“Não, menino, eu não tenho computador. Estou famosa sem saber. Eu não estou sabendo lidar com isso. Vocês estão percebendo? Estou ficando meio triste”, diz Maria Alice, soltando uma sonora gargalhada, no spin-off ‘Entrevista com a Pantera: o sucesso de Tapa na Pantera visto de dentro’.
Durante a entrevista para o Viagem em Pauta, Esmir lembrou também que a atriz comprou até um computador. “Ela era a diva desse mundo [viral] e conviveu muito bem com isso. Ela foi chamada para fazer muita coisa depois disso”, conta.
Esmir diz também que a atriz debochava do próprio sucesso do vídeo e que, após anos de estudos em teatro, agora era conhecida “como a velha maconheira”.
Outra novidade na vida da “diva do underground” foi no final daquele mesmo 2006, quando a atriz ficava em uma cadeira recebendo os participantes da festa “Tapa na Pantera”, no clube A Lôca, balada na Bela Vista, em São Paulo.

O sucesso antes (do sucsso) de ‘Homem com H’
Atualmente, o vídeo original do ‘Tapa na Pantera’, hospedado no canal de um dos diretores, acumula 9,4 milhões de visualizações. Sem falar nos cortes não oficiais, cujos números em cada perfil variam entre 393 mil e 1,8 milhão.
Porém, as cifras são discretas, quando comparadas às do primeiro vídeo da história do Youtube, ‘Me at the zoo’, publicado, há 20 anos, e com impressionantes 365 milhões de views, atualmente.
Por outro lado, a espontaneidade da atriz brasileira ainda é muito mais empolgante do que a do jovem Jawed Karim, um dos criadores da plataforma de vídeos, surpreendendo-se com as longas trombas de dois elefantes, em um zoológico de San Diego, nos EUA.
Procurado pelo Viagem em Pauta para comentar o sucesso do vídeo, via e-mail, em 2024, o YouTube preferiu não se manifestar, pois, naquele momento, não tinha porta-vozes disponíveis para falar sobre o assunto.
Para o diretor Esmir Filho, o vídeo quebrava um tabu, em uma época em que “as coisas [na internet] eram mais leves” e se, hoje, soa atual é porque “as pessoas o atualizam e o revivem”. “Foi tudo espontâneo e a gente só percebeu depois que era um vídeo político na sua forma de fazer rir”, analisa.
Apesar de ser tudo mato naquela distante internet, há quase duas décadas, a equipe optou por deixar bem claro, logo na abertura do vídeo, de que se tratava de uma obra de ficção (algo que, em pleno 2025 das IAs de maiô, nem sempre é avisado ou levado em consideração).
Questionado sobre o motivo, Esmir contou para a reportagem que não se lembra, exatamente, o porquê da decisão de incluir essa cartela ao vídeo, mas provavelmente para evitar ser confundido como apologia às drogas e “até mesmo para proteger a própria Maria Alice”.
Outra curiosidade que Esmir destaca daqueles “inocentes” anos de internet é a ausência de haters ou de qualquer tipo de perseguição, inclusive de autoridades. “Existia uma criação acontecendo e a gente deixou isso acontecer”, lembra o cineasta.

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‘Homem com H’
No novo longa de Esmir são retratadas as diversas fases da carreira e da vida pessoal de Ney Matogrosso, interpretado por Jesuíta Barbosa.
O roteiro, assinado pelo próprio diretor, vai do relacionamento conturbado com o pai militar do cantor à chegada aos palcos como líder do grupo Secos e Molhados, e seus relacionamentos com Eugenio (Danilo Grangheia) Cazuza (Jullio Reis) e Marco de Maria (Bruno Montaleone).
O filme tem surpresas como a aparição relâmpago da apresentadora Sarah Oliveira, irmã do diretor, no papel da jornalista Fátima que, assim como a arte imita a vida, não se conforma com a incompreensão de outros colegas de imprensa diante da figura de um Ney “de uma outra época” que começa a ganhar os holofotes.
Como em todo projeto em que se envolve, a apresentadora de programas como ‘Viva Voz’ e ‘Calada Noite’ surpreende com uma interpretação sem estereótipos e, mais uma vez, prova que toda transformação em sua vida é permeada pela música.

A produção da Paris Entretenimento levou aos cinemas mais de 620 mil espectadores, dos quais cerca de 225 mil pessoas prestigiaram o filme apenas no fim de semana de estreia.
Após ser destaque na 27ª edição do Festival de Cinema Brasileiro de Paris, o filme chegou à Netflix no último dia 17 de junho, disponível em mais de 190 países ao redor do mundo.
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