Antes de provar que o mundo podia caber numa viagem de 75 dias, a jornalista Nellie Bly teve que enfrentar outro mundo: o dos homens.
Quando a repórter contou ao editor do jornal New York World que queria dar uma volta ao mundo, a resposta não poderia ser diferente, naquele final de século XIX.
– “É impossível. Em primeiro lugar, você é uma mulher e precisaria de um homem que a protegesse”, disse o gerente do jornal.
O veredito ainda seguiria com outras bobagens, como a quantidade de malas por carregar e o fato de Bly falar apenas inglês.
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Mas foi só a decidida repórter ameaçar viajar por outro jornal para que, um ano depois, Elizabeth Cochrane Seaman, seu nome de batismo, começasse a fazer história num mundo masculino, onde mulheres não fumavam, não usavam calças e muito menos eram encorajadas a viajar por aí desacompanhadas.
Entre novembro de 1889 e janeiro do ano seguinte, Nellie Bly correu contra o relógio para dar a volta ao mundo, em menos tempo que o personagem fictício Phileas Fogg, em ‘Volta ao Mundo em 80 dias’, do escritor francês Júlio Verne.
Em corridos 72 dias (três a menos do que havia proposto, originalmente), a jornalista visitou 11 nações, entre países e as então possessões britânicas: EUA, Inglaterra, França, Itália, Egito, Iêmen, Ceilão (atual Sri Lanka), Malásia, Singapura, Hong Kong e Japão.
O que Nellie Bly tem a ensinar às mulheres que viajam sozinhas?
Nada é impossível
Seja lá qual fosse sua ideia de pauta, o impossível era palavra que não existia em seu vocabulário.
Dois anos antes da sua volta ao mundo, por exemplo, Nellie Bly aceitou a proposta de se internar no temido Asilo de Mulheres Lunáticas para denunciar os maus tratos às mulheres daquele hospital psiquiátrico, na atual Ilha Roosevelt, em Nova York (EUA).
Quando alguém tentasse convencê-la de que algo não poderia ser feito, Bly sempre respondia:
– “Bobagem! Se você quer, você pode. A pergunta é: você quer?”
Dar uma volta ao mundo era só uma questão de tempo (e de ter a mala certa).
Faça uma mala compacta
Para espanto de muitos, Nellie Bly deu uma volta ao mundo, em 72 dias, com apenas uma maleta de mão, a tarefa mais difícil em toda a sua vida, como ela mesma relata em seu livro ‘Volta ao Mundo em 72 Dias’ (editora Ímã).
Com um único vestido xadrez para toda a travessia, Bly viajou apenas com uma pequena mala de mão, onde colocou 2 boinas, 3 lenços, 1 par de chinelos, 1 roupão, 1 jaqueta, 1 garrafinha com copo, 1 pote de creme, lenços, objetos de armarinho e higiene, roupas íntimas e, claro, material para escrever.
Bem que ela quis incluir um vestido extra que, por não caber, foi deixado para trás. “Eu sempre odiei bagagens, então abri mão do vestido”, conformou-se.
Multidão é proteção
Diferente do que pensariam muitos pais da época, Nellie Bly preferia estar em um vagão lotado de estranhos.
Entre Boulogne e Amiens, na França, a repórter descreveu a experiência de estar trancada com desconhecidos em uma cabine de trem, comparando as da Inglaterra com as dos EUA (“não existe uma privacidade maior do que a que se tem em um vagão grande e cheio de estranhos”).
“Quando as mães ensinarem às filhas que é mais seguro estar em ambientes com muita gente, as damas de companhia serão uma coisa do passado”, escreveu.
Definitivamente, Bly não se restringia a corte, costura e panelinhas, como era esperado, em pleno final do século XIX.
Não use animais para fazer turismo
Bom, essa sugestão serve não só para mulheres, mas também para qualquer viajante do século XXI.
Ao longo dos 72 dias, 6 horas e 11 minutos da sua volta ao mundo, Nellie Bly teve tempo também para dias preguiçosos em convés de navios e passeios de descobertas em terra.
Porém, quando estava em um riquixá em Colombo, no atual Sri Lanka, a repórter se sentiu desconfortável por ser puxada por um ser humano. Mas não precisou muito tempo para a estadunidense ser convencida de que aquilo não era tão ruim assim.
– “É um grande consolo ser conduzido por alguém que pode protestar, quando necessário”, escreveu aliviada ao se dar conta de que um homem naquele ofício era mais justo do que um cavalo.
Esqueça o visual
Apesar do único vestido que levou para toda a viagem, o que a obrigou recusar convites para “prazeres sociais”, Nellie Bly não poderia recusar o convite que recebeu para conhecer Júlio Verne, em Amiens, na França, quando ainda estava em Southampton, no Reino Unido.
– “Que difícil é ter que declinar de tal alegria!”, respondeu, quando foi convencida de que o encontro não atrapalharia seus planos de abraçar o mundo.
Ao desembarcar na estação de trem e dar de cara com o pai da ‘Volta ao Mundo em 80 Dias’, ficou preocupada com seu estado físico, após a viagem.
– “Queria saber se meu rosto estava amarrotado e se meu cabelo estava desarrumado”, escreveu em seu livro.
Mas para quem ainda tinha meio mundo para rodar (e um Júlio Verne para conhecer), não sobrava tempo para arrependimentos.
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SAIBA MAIS
“Volta ao Mundo em 72 dias”
Nellie Bly
290 páginas
Valor sugerido: R$ 56
Editora ÍMÃ
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