Na última quinta-feira, 21 de março, o Viagem em Pauta acompanhou a abertura da exposição Mário de Andrade: duas vidas, no MASP (Museu de Arte de São Paulo), na avenida Paulista.
Essa é a primeira exposição a abordar o olhar queer do pai de Macunaíma, uma seleção de 88 peças do acervo do IEB-USP (Instituto de Estudos Brasileiros), entre imagens sacras e obras de arte reunidas pelo escritor-colecionador.
De desenhos a gravuras de seu acervo particular, alguns apresentados ao público pela primeira vez, a exposição traz também fotografias feitas pelo próprio Mário com sua inseparável Codaque, nas históricas viagens às Amazônias brasileira e peruana, em 1927, e ao Nordeste, entre 1928 e 1929.
O título da exposição, que segue em cartaz até o dia 9 de junho, é uma referência à “bivitalidade” que o escritor dizia ter, algo entre a moralidade da “vida de cima” e os prazeres da “vida baixa”.
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Um dos destaques é o único registro da voz do escritor paulistano que se tem notícia, atualmente, uma gravação feita no Rio de Janeiro, em 1940, em que ele canta músicas regionais, ao lado da escritora Rachel de Queiroz e da tradutora Mary Pedrosa.
Entre as canções estão Zunzum (Minas Gerais), Deus lhe pague santa esmola (Paraíba) e Toca Zumba, composição de Gomes Cardim feita após a abolição da escravatura, em 1888.
O público poderá ver também a polêmica Cabeça de Cristo, escultura em bronze de Victor Brecheret, com a qual Mário chocou a família católica do escritor quando chegou em casa com esse Cristo de tranças.
– “Onde se viu Cristo de trancinha! Vosso filho é um perdido mesmo”, estrilou uma velha tia.
A exposição também traz ao público pinturas feitas por artistas como Candido Portinari (“um delírio de magnífica”), Lasar Segall (“uma das obras mais admiráveis de seu talento de pintor”) e Tarsila do Amaral, autora de um retrato em que os traços afrodescendentes são apagados.
“Da mesma forma que a questão racial [do Mário] foi um tabu, durante muitos anos, o mesmo aconteceu com a sexualidade dele”, compara a curadora Regina Teixeira de Barros, em entrevista para o Viagem em Pauta.
Uma moreninha aqui, uma americaninha ali. Mário dos amores eternos e das farras com as garçonetes da Santa Efigênia pouco tocou no assunto, como na carta de “proporções indiscretas” para sua discípula Oneyda Alvarenga.
O texto de 60 páginas (!), que levou sete dias para ser finalizada, em setembro de 1940, fazia referência à “uma espécie de pansensualidade, muito mais elevada e casta do que se poderia imaginar”. Mais do que o amor sexual em si, Mário tinha “o amor do todo”, como definiu, tão poeticamente, o amigo Manu.
A temática homossexual, ora mais explícita ora velada, não é novidade nos textos de Mário, mas sua sexualidade voltou a ser discutida, em 2015, dez anos depois de seu “gigantismo epistolar” ser liberado para a gente dar uma espiada.
Na época, o motivo foi a consulta pública à uma carta para Manuel Bandeira, em que o paulistano abordava o assunto. Antes de morrer, em 25 de fevereiro de 1945, Mário deixou instrução para que suas cartas em pastas ficassem lacradas por 50 anos, a contar da data de sua morte.
Até 1968, o cobiçado material ficou lacrado em uma estante da casa do escritor, na rua Lopes Chaves, na Barra Funda, bairro da zona oeste de São Paulo.
Naquele mesmo ano, o acervo de Mário, incluindo livros e coleção de artes popular e religiosa, seria adquirido pela USP para compôr o patrimônio marioandradiano do IEB, tombado pelo IPHAN (Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional), desde 1995.
“Ao falar desse assunto, se desfaz um pouco essa homofobia estrutural que a gente vive. Não falar da sexualidade do Mário significa silenciar e colaborar com essa estrutura social mais engessada”, analisa a curadora.
“Era realmente um prodígio de perfeição física, nessa cor de bronze novo dos que vivem de praia e de sol. Ficava muito tempo se espelhando, passando a mão com delícia nos músculos másculos, inchando a peitaria, examinando o dorso.”
‘Esquina’ – 7 de dezembro de 1939
As viagens de Mário de Andrade
Antiviajante declarado, Mário fez duas viagens de extrema importância para a cultura popular, devido ao material recolhido pelo escritor, cujos registros fotográficos também estão na exposição Mário de Andrade: duas vidas.
Entre maio e agosto de 1927, Mário viu a Amazônia até dizer chega, num roteiro que começou no Rio de Janeiro, seguiu de barco pelo Amazonas e o Pará, atravessou para o Peru, sapateou trilhos na Madeira-Mamoré, foi bater lá na Bolívia para, na volta, passar por Marajó.
No ano seguinte, o escritor foi para o Nordeste e teve Luís da Câmara Cascudo entre os anfitriões, durante sua passagem por Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte.
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SAIBA MAIS
‘Mário de Andrade: duas vidas‘
MASP (avenida Paulista, 1578 – Bela Vista)
Tel.: (11) 3149-5959
Até 9 de junho (de quarta a domingo, das 10h às 18h, com entrada até as 17h)
Ingressos: R$ 70 (entrada); R$ 35 (meia-entrada) / Grátis, às terças, das 10h às 20h (entrada até as 19h)
Agendamento on-line obrigatório pelo link: masp.org.br/ingressos
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