Após 107 anos, a mais de três mil metros de profundidade, aconteceu a busca do naufrágio mais desafiador da história: o Endurance.
Encontrada em março de 2022, no mar de Weddell, no oceano antártico, a embarcação de madeira, feita exclusivamente para travessias polares, naufragou em novembro de 1915, durante a frustrada viagem comandada pelo irlandês Ernest Shackleton, entre 1914 e 1916.
A Expedição Transantártica Imperial pretendia, pela primeira vez na história da humanidade, cruzar o continente de ponta a ponta, entre o mar de Weddell e o Polo Sul.
A busca: Endurance é encontrado na Antártica
Considerada um dos mais ambiciosos projetos de transmissão de dados na região, a complexa operação de busca levou mais de duas semanas para encontrar a embarcação, intacta e na vertical, a 3.008 metros de profundidade.
“De longe, este é o melhor naufrágio de madeira que eu já vi”, descreveu na época Mensun Bound, Diretor de Exploração da expedição Endurance22, que dedicou o achado a Frank Worsley. Os registros do então capitão da expedição original foram inestimáveis para encontrar o navio.
Uma das cenas mais impactantes é o nome do Endurance que pode ser visto, claramente, na popa abaixo da grinalda, corrimão em torno da área do convés, e sobre uma estrela de cinco pontas. Embora as pesquisas tenham continuado, nada foi tocado ou retirado daquele Sítio Histórico e Monumento, de acordo com o Tratado da Antártica.
Em 2019, a equipe já havia tentado encontrar a embarcação, porém, sem sucesso.
“Que novas gerações de todo o mundo se envolvam com o Endurance22 e se inspirem nas incríveis histórias da exploração polar”, declarou John Shears, Líder de Expedição, para quem a descoberta do Endurance é um marco na história polar e de um alcance sem precedentes, com transmissão ao vivo a bordo.
Para garantir o desafio, foram usados Veículos Submarinos Autônomos (AUVs) construídos na Suécia, exclusivamente, para a missão de 2022.
Chamados de Sabertooths, esses robôs aquáticos são equipados com câmeras de alta definição e sonar de varredura lateral, capazes de enviar à superfície informações captadas a até quatro mil metros de profundidade, em tempo real.
Inicialmente programado para uma viagem de 35 dias, o projeto foi realizado a bordo do quebra-gelo SA Agulhas II, um potente navio polar de 134 metros, construído na Finlândia e capaz de forçar a passagem em blocos de gelo de até um metro de espessura.
A empreitada é tema do documentário ‘Endurance’, que estreia na plataforma de streaming Disney+, no próximo sábado, 2 de novembro.
– “Estamos prontos?”, pergunta um dos tripulantes.
– ‘Sim, vamos encontrar o Endurance”, responde o colega de busca.
É nesse clima de “unidos pelo valor e determinação” que o trailer anuncia esse especial da National Geographic, que não deve decepcionar o público em busca de “uma das maiores sagas sobre a sobrevivência e o poder do espírito humano”, no melhor estilo Nat Geo de contar histórias.
– “E esta é uma história sobre um fracasso”, diz outro entrevistado, em depoimento para o documentário.
A Expedição Transantártica Imperial
A bordo do vapor Endurance, Ernest Shackleton pretendia o feito inédito de cruzar o continente de ponta a ponta, entre o mar de Weddell e o Polo Sul.
Aquela seria considerada a última grande viagem da Era dos Descobrimentos.
A viagem começou em Londres no 1º de agosto de 1914 e o último porto seguro da expedição foi na Geórgia do Sul, ilha britânica ultramarina, entre as Malvinas e Sandwich do Sul, no Atlântico. Dali, a viagem foi sendo alterada por imensos blocos compactos de gelo de mais de 60 metros de altura que começaram a reduzir a velocidade do Endurance.
No dia 20 de janeiro do ano seguinte, o Endurance estava completamente impedido de seguir por conta da massa de gelo densa que deteve a embarcação.
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Em plena Primeira Guerra Mundial, não se esperavam heróis que não fossem os que estivessem no combate. Mas no extremo sul do planeta, a apenas 160 quilômetros da Antártica, 28 homens lutavam pela vida.
Após abandonarem o navio, o grupo a bordo seguiu por terra e em improvisadas embarcações até conseguirem ajuda na Geórgia do Sul, onde parte da tripulação chegou ao Porto de Stromness, no dia 20 de maio de 1916, quase dois anos depois do Endurance deixar a Inglaterra.
A ordem de abandonar o navio ainda não tinha sido dada por Shackleton quando, no final de agosto de 1915, Hurley fazia as famosas e fantasmagóricas fotos noturnas do Endurance.
Para isso, espalhou cerca de 20 lâmpadas de flash por trás dos blocos de gelo, a uma temperatura externa de -32°. Segundo depoimento de Hurley em suas anotações, o fotógrafo sairia tropeçando na imensidão gelada com aqueles “clarões sucessivos”.
Assim que Shackleton se deu conta de que a luta contra o gelo estava perdida e ordenou que o navio fosse abandonado, Hurley, assim como toda a tripulação, começou a avaliar o que deveria ser descartado e o que seguiria na bagagem a ser levada nos trenós.
No caso do fotógrafo, cerca de 400 negativos seriam deixados para trás. Com apenas 120 imagens, Hurley lamentava a “triste redução”, a fim de evitar peso nos deslocamentos seguintes.
No Acampamento Oceânico, uma das bases improvisadas sobre banquisas de gelo, o fotógrafo fez as últimas imagens com equipamento profissional, em novembro de 1915.
Com as condições adversas que viriam pela frente, o fotógrafo teria que se contentar com uma Kodak de bolso e apenas três rolos de filme.
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