Para Thor Heyerdahl, as fronteiras existiam apenas na mente das pessoas. E foi pensando assim que, aos 33 anos, esse explorador norueguês liderou uma das viagens mais arriscadas no maior e mais profundo oceano do planeta: o Pacífico.
Desde que esteve com a esposa em Fatu Hiva, nas Ilhas Marquesas, Thor não tirava da cabeça a ideia de que a Polinésia Francesa foi povoada por povos da América do Sul.
Foi ali que começou a tomar forma a incrível viagem que faria, em 1947, acompanhado de outros cinco homens e de um… papagaio que saíram do Peru para cruzar o Pacífico a bordo de uma jangada de madeira.
Mas antes disso, Thor precisou enfrentar a turma do contra.

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Cruzando o Pacífico
Desacreditada pela comunidade científica, sua expedição teve apoio do exército dos Estados Unidos e também de doações privadas para viajar do Peru até a Oceania em uma jangada de pau-de-balsa, feita por ele mesmo com madeira das florestas de Quevedo, no Equador.
A travessia naquela embarcação sem pregos nem cabos de arame foi chamada de “ação suicida”. Para especialistas da época, em poucas semanas, os nove troncos porosos amarrados com cordas se desintegrariam em contato com a água do mar.
A expedição foi chamada de Kon-Tiki, em referência a Viracocha, o deus criador andino também chamado de Kon-Tiki que, segundo a lenda, teria navegado até “onde o sol se põe no oeste”, há 1.500 anos.
A viagem de cerca de 8 mil km durou 101 dias, entre o Peru e a Polinésia Francesa, a bordo de uma “cópia fiel das antigas embarcações do Peru e do Equador”, nas palavras do próprio líder da viagem.
A comitiva, sem nenhuma experiência em navegação, era formada por Knut Haugland, Bengt Danielsson, Erik Hesselberg, Torstein Raaby, Herman Watzinger e Thor Heyerdahl.

Para abrigar a tripulação, a embarcação tinha uma tenda forrada com uma esteira de bambu trançado, além de contar com frutas, rações militares e mais de mil litros de água em latões. O restante, o mar poderia prover, como os peixes-voadores que vinham, aos montes, pelo ar.
A correnteza e o vento não eram barreiras, eram caminhos. Ainda assim, aqueles homens tiveram que enfrentar ondas imensas, rajadas de ventos e furacões, em meio ao isolamento do Pacífico.
Quando a expedição completou 45 dias, seus homens estavam longe de qualquer pedaço de terra onde pudessem desembarcar. Galápagos e Páscoa, a 800 km dali, eram as ilhas mais próximas.
“Não vimos sinal algum nem de navio nem de qualquer outra coisa que navegasse, para nos mostrar que havia mais gente no mundo além de nós”, escreveu Thor Heyerdahl em seu livro “A expedição Kon-Tiki” (leia mais abaixo).
A empreitada terminaria no dia 7 de agosto daquele mesmo ano, quando a jangada se chocou violentamente com o atol Raroia, em Tuamotus, arquipélago polinésio conhecido como a maior cadeia de atóis do mundo.
“O purgatório era um pouquinho úmido, mas o céu é mais ou menos como eu imaginava”, teria dito Bengt, segundo o diário de Thor.
Porém, apesar do seu naufrágio, a embarcação trazia novos olhares para a história da Polinésia, que até então acreditava ter sido povoada, primeiramente, por viajantes da Ásia, teoria reforçada pela habilidade dos polinésios se deslocarem em canoas por grandes distâncias.

De acordo com Reidar Solsvik, curador do Museu Kon-Tiki, em Oslo, na Noruega, a expedição provou que os povos da América do Sul tinham tecnologia e conhecimento suficientes para atravessar o oceano Pacífico, muito mais sofisticados do que se acreditava na Europa.
Um dos argumentos que sustentavam a teoria de Thor era que, quando chegaram os primeiros colonizadores da Europa, destinos polinésios já tinham batatas, tubérculo até então encontrado apenas nas Américas.
Em 2020, pesquisas estabeleceram também traços de ascendência americana nos genomas de habitantes modernos de algumas ilhas da Polinésia, confirmando antigos contatos entre ilhéus e pessoas da América do Sul.
Com a empreitada, Thor, que ficaria conhecido como o Senhor Kon-Tiki, passaria também a contar com prestígio entre líderes mundiais e parte da comunidade científica.

Para viajar
“A expedição Kon-Tiki” (editora José Olympio), livro traduzido para mais de 70 idiomas, é uma espécie de diário de bordo escrito pelo próprio Thor Heyerdahl (1914 – 2002), com riqueza de detalhes como a preparação e a viagem em si.
A obra inspirou o filme homônimo, indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 2013. No Brasil, o filme está disponível na Pluto TV.
Para ver essa história mais de perto, o Museu Kon-Tiki, em Oslo, capital norueguesa, conta as histórias das expedições de Thor, além de abrigar réplicas de embarcações usadas em suas outras viagens, como a do barco Ra II, entre o Marrocos e as Américas, em 1970.
Um dos destaques do local é a estatueta do Oscar de 1950 conquistado com o documentário “Kon-Tiki”, registrado com uma câmera usada pela própria equipe da expedição original.
Desde que foi aberto, em 1949, o local já recebeu cerca de 20 milhões de pessoas.
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