Querer encontrar alternativas para chegar às especiarias do Oriente não só redefiniria os mapas do planeta como também seria a primeira volta do mundo.
Há 506 anos, no dia 10 de agosto de 1519, o explorador português Fernão de Magalhães deixava a Espanha, rumo a um mundo desconhecido, para encarar uma viagem cheia de perrengues dos quais apenas 18 homens retornariam com vida, de um total de 230 embarcados.
Nos três anos de travessia, a tripulação se assombraria com a fartura de comidas no Brasil, faria contatos com homens “gigantes” da Patagônia, seria os primeiros a cruzar o oceano Pacífico, conquistaria novos territórios para a Coroa espanhola e conheceria o “maior e mais perigoso cabo conhecido da terra”.
Porém, a princípio, nem o próprio idealizador da viagem pretendia dar uma volta ao mundo.

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Primeira volta do mundo
Ao pedir apoio à Coroa de Castela, na Espanha, Fernão de Magalhães tinha a intenção de estabelecer uma nova rota até as cobiçadas Ilhas das Especiarias, como eram conhecidas as Molucas, atualmente, na Indonésia.
Naquele distante 10 de agosto de 1519, a meta era encontrar alternativa à custosa rota às Índias pela África, dominada pelos portugueses. Após a passagem da expedição liderada por Fernão de Magalhães, três ícones naturais da América do Sul receberam seus nomes atuais.
O bem informado Magalhães havia visto nos mapas do cartógrafo Martín de Bohemia que, para chegar ao outro lado do mundo pelo oeste e evitar a rota dos portugueses, “era preciso passar por um estreito muito escondido”. Assim, Magalhães e seus homens se tornariam os primeiros europeus a atravessarem o Estreito dos Patagões, que mais tarde seria chamado de Estreito de Magalhães.
Aliás o nome Patagônia também surgiu durante viagem. Assim como alguns pesquisadores defendem, os tehuelches, povos ameríndios do extremo sul do continente, teriam sido apelidados de patagões, por conta de seus pés alongados pelos calçados feitos de peles.
Já em Porto de San Julián, destino patagônico onde a expedição esteve por cinco meses, aqueles homens encontraram guanacos, um animal com “cabeça e orelhas de mula, corpo de camelo, patas de cervo e cauda de cavalo”.
Outro endereço que ganhou nome, após a passagem da expedição, foi o Pacífico, o “grande mar”, onde a esquadra chegou a navegar 340 km por dia, durante três meses seguidos.
“Todos choramos de alegria”, lembra o escritor italiano Antonio Pigafetta quando as águas da passagem natural recém descoberta, entre o Atlântico e o Pacífico, findaram em um (raro) oceano de águas calmas do lado de lá do continente.
Porém, foi nesse trecho que a tripulação sofreu uma baixa de 19 homens, afetados pelos efeitos do escorbuto, doença causada pela falta de vitamina C no corpo, e por uma dieta a base de “polvo impregnado de morcegos” (..) “empapado em urina de rato”, “água fedorenta” e até ratos, couro de mastro e serragem de madeira.

Outros destinos
Brasil
Em terra “tão abundante em toda classe de produtos”, os embarcados se abasteceram de abacaxi, batatas e galinhas. Esse trecho dos relatos da época fascina pela riqueza de detalhes na descrição dos indígenas, que vai de uma suposta longevidade dos locais (“vivem muito tempo … até os 125 anos”) até a troca de moças escravas por instrumentos de corte dos europeus, como facas.
O porto a que Pigafetta se refere em seu diário, em um caloroso 13 de dezembro de 1519, era o que hoje conhecemos como Rio de Janeiro.
Rio da Prata
Divisor natural entre a Argentina e o Uruguai, esse estuário também foi citado pelo responsável pelos diários da viagem. Na época, o então Cabo de Santa Maria era conhecido pela presença de canibais.
Filipinas
A partir da viagem de Magalhães, a região sofreria um profundo processo de conversão religiosa e de domínio espanhol que duraria 300 anos.
Foi durante esse o processo de colonização que Magalhães foi morto em terra, no final de abril de 1521, quando o português foi capturado em uma emboscada de um chefe de Mactán, na região de Cebu. Cilapulalu teria entrado em confronto com aqueles europeus, pois se recusava a se curvar diante da autoridade do rei da Espanha.
Dali para frente, o espanhol Juan Sebastian Elcano encabeçaria a viagem.

Ilhas Molucas
Atual paraíso indonésio de praias de águas cristalinas, esse arquipélago era o objetivo final da viagem e foi avistado no início de novembro de 1521, após a tripulação passar 27 meses sem ver terra firme.
Nas cobiçadas ‘Ilhas das Especiarias’, encontraram não só cravos em espécie como também arroz, bananas, figos, gengibre, nozes e sagu.
Recém-conquistadas por mouros, 50 anos antes da expedição de Magalhães, aquele conjunto de ilhas assombrou com costumes curiosos como o rei de Bacan que, antes de combater um inimigo, se entregava aos prazeres de um de seus criados.
É dali que partiram, no dia 21 de dezembro de 1521, os 47 europeus e 13 indígenas que decidiram seguir a viagem de volta à Espanha. Os outros 53 europeus permaneceram na ilha Tadore, temerosos pela capacidade de carga da nau Victoria, a única embarcação que sobrara com as avarias do Trinidad.
África
Antes de navegar a costa africana por dois meses, a expedição ficou nove semanas no Cabo da Boa Esperança, à espera da passagem de uma forte tempestade.
O “maior e mais perigoso cabo conhecido da terra”, de acordo com Pigafetta, só seria vencido no início de maio de 1522, cobrando a vida de 22 homens embarcados que, lançados ao mar, tinham os rostos virados para os céus, no caso dos cristãos, e os índios, com a cara para o mar.
A viagem chegaria ao fim em seis de setembro de 1522, quando a pequena tripulação chegou a Sanlúcar de Barrameda, na província espanhola de Cádis, a bordo da Nau Victoria, após 1.123 dias de viagem.

E a gente só saberia de tudo isso em detalhes porque o jovem Antonio Pigafetta era um dos embarcados nas cinco naus que fariam a primeira circum-navegação no planeta e confirmaria que a Terra, sim, é redonda.
No delicioso “A 1ª viagem ao redor do mundo – o diário da expedição de Fernão de Magalhães” (editora L&PM), que o escritor Gabriel García Márquez chegou a citá-lo como um dos livros mais importantes de sua vida, Pigafetta registrou o que poderíamos chamar de um autêntico guia turístico da Idade Moderna.
Nele, o cronista italiano deixou informações como distâncias entre portos e horários mais adequados de navegação para evitarem arrecifes e ilhotas, descrições de atrativos arquitetônicos como o castelo de Sanlúcar, cidade espanhola de onde partiram, e até a melhor época para navegar o Rio Quadalquivir (na época, Betis).

Pouco tempo antes do 5º centenário da expedição, em 2019, uma polêmica rondou a história da nacionalidade da viagem, pois embora Magalhães fosse português, a empreitada tinha sido financiada pelo rei espanhol Carlos I, após recusa de Dom Manuel I.
Com a negativa de Portugal, Magalhães propôs à Corte de Castela a realização da travessia até as Molucas por uma via ocidental diferente da oriental, como a dos portugueses. Em troca, o líder da expedição prometia proporcionar ao espanhol as riquezas em especiarias encontradas nas ilhas, respeitando assim o acordo estipulado no Tratado de Tordesilhas, que em 1494 dividira o mundo entre Portugal e Espanha.
Esse seria um dos motivos das desconfianças por parte dos embarcados espanhóis que deram origem a motins que ameaçaram a travessia.
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