Nesta quinta-feira, 13 de novembro, às 21:30, estreia “O Labirinto do Ártico”, nova série do Canal OFF que acompanha a travessia da Passagem do Noroeste, rota marítima que liga os oceanos Atlântico e Pacífico.
Com uma tripulação de diferentes nacionalidades, a produção contou com a participação dos brasileiros Cléo Campe, Karina Oliani e Ramon Gonçalves.
Por mais de cem dias, seu mundo seguro foi o veleiro polar Abel Tasman, uma embarcação de quase 23 metros de comprimento, estrutura de aço e chapas de 10 mm de espessura, considerada uma das poucas do gênero com fôlego para cruzar a região.

Brasileiros no Ártico
“O Labirinto do Ártico” aborda a relação entre Sylvestre e Cléo Campe, pai e filha que encararam o timão (e a própria história), durante a travessia daquela rota marítima.
Liderada pelo cineasta alemão naturalizado brasileiro, Sylvestre Campe, a Ocean Science Expedition saiu de Bergen, na Noruega, em direção à minúscula Nome, no Estreito de Bering. Antes disso, porém, a expedição teve que encarar o mau humor do Atlântico Norte, cruzar a Groenlândia e vencer o labirinto de estreitos da Passagem do Noroeste.
“A travessia deve demorar três meses, mas é o gelo que vai definir, pois podemos ficar presos [nele]. A gente não sabe, é uma incógnita”, arriscou Sylvestre, na época, em entrevista exclusiva para o Viagem em Pauta.

“A espera é algo muito perigoso porque você tem tempo demais para pensar e isso gera uma impaciência. O excesso de tempo, assim como o de informações que temos hoje em dia, é perigoso também porque perde-se a capacidade de dar valor à intuição.”
Sylvestre Campe
Entre as atividades arriscadas realizadas teve escaladas em icebergs de Søndre Upernavik, uma cidade minúscula com 195 habitantes, no arquipélago Upernavik, na Groenlândia. Ainda que estivessem com equipamento necessário para uma escalada em gelo, em um iceberg não se trata de encontrar um lugar seguro, mas um que seja o menos perigoso.
“Os icebergs do Ártico encantam pela sua beleza, pelo tamanho e pelas formas. Mas também são aterrorizantes”, contou o líder, na travessia da Groenlândia para o Canadá, cuja visibilidade de navegação não passava de 20 metros.
“Ele flipa e racha sem dar nenhum sinal antes. Foi um momento muito tenso”, lembra Karina Oliani, que precisou ser o mais ágil possível para não demorar na atividade em paredões congelados de até 30 metros de altura.
Feita a análise, a dupla encontraria outra dificuldade: como desembarcar já com os crampons nos pés? Esse conjunto de pontas afiadas que envolve o calçado do alpinista não só funciona como garras que facilitam caminhar sobre terreno gelado como também… fura botes.

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“Decidimos escalar um iceberg, obviamente, com muito respeito, cautela e usando o sexto sentido, aquela vozinha interna que diz quando dar meia volta e abortar [a escalada]”, conta Campe.
Diferente de uma escalada normal, os escaladores não estavam amarrados por nenhuma corda, para que pudessem descer o mais rápido possível, no caso de um dos icebergs se mexer. Por isso, numa curiosa inversão de papéis, tudo aquilo foi acompanhado pela filha de Sylvestre.
Cleo Campe ficou perto do bote para resgatar a dupla, em caso de algum acidente como a virada de um iceberg ou queda na água, o que poderia ser fatal.
“Fiquei muito aliviada quando meu pai me chamou pelo rádio dizendo que tinham terminado a escalada e que eu podia buscá-los”, lembra Cleo.
A tripulação esteve também no Ilulissat Icefjord, um fiorde Patrimônio Mundial da UNESCO que fica perto da cidade de Ilulissat, considerada a “capital mundial dos icebergs”, na costa ocidental da Groenlândia, na Baía de Disko.

“É único porque a geografia local faz com que esses icebergs fiquem presos nessa baía, formando uma concentração absurda de icebergs”, lembra Karina, montanhista e médica especializada em emergência e resgate em áreas remotas.
Considerada uma espécie de parque de esculturas de gelo, a região também serviu de cenário para Karina praticar wakeboard, esporte com uma prancha puxada por uma lancha.
Apesar de navegar entre icebergs também ser uma experiência arriscada, Karina achou mágica a sensação de deslizar sobre aquelas águas, encostando a mão em geleiras, “uma coisa especial, mas muito perigosa”.
Bicampeã brasileira do esporte, aos 17 anos, Karina sentiu na pele, literalmente, a mudança de humor em territórios polares, começando a atividade com o céu nublado, “aquela coisa bem Groenlândia”, e finalizando-a com céu azul.

A paulistana praticou também Stand Up Paddle, caiaque, trilha e mergulho em gelo, uma modalidade complexa que exige certificação específica para administração de “roupa seca”, usada em ambientes mais frios.
Já Sylvestre só se satisfaz quando garante uma imagem aérea. E, no Ártico, não foi diferente.
Ele é conhecido pelas expedições com travessias a bordo de um paramotor, “brinquedinho” que ele também levou para a travessia.

Aventura com Ciência
Apesar de você jurar que isso tudo é uma viagem aventureira cheia de esportes radicais, ninguém ali esteve a passeio.
Além da liderança de Sylvestre, a Ocean Science Expedition contou com o trabalho pesado dos irmãos suecos Alex e Isak Rockström, capitão e imediato, de 27 e 25 anos, respectivamente. Daí o título de tripulação mais jovem a cruzar a Passagem do Noroeste.
Filhos do climatólogo Johan Rockström, um dos embarcados no veleiro, os dois cresceram velejando com Ciência.
“O Ártico está aquecendo três vezes mais rápido que a média do planeta. É a temperatura mais alta na Terra dos últimos cem mil anos”, avisa o pai Rockström.

A missão científica da expedição foi aumentar a conscientização sobre os seis pontos de não retorno, como são conhecidas as situações ambientais irreversíveis como o colapso da Amazônia e o degelo nos extremos do planeta.
“Na Passagem, fiquei surpreso como em alguns pontos não era tão frio como eu imaginava. Teve um momento surreal, quando a gente sentiu cheiro de cinzas no ar, por conta dos incêndios nas florestas no Canadá. As cinzas e o calor estavam chegando no Ártico, inclusive debaixo do gelo. Tem algo muito estranho acontecendo”, alerta Sylvestre.
A equipe contou também com os trabalhos do sonoplasta Sebastian Sánchez, que desembarcou no Ártico com diversos hidrofones para capturar e entender os sons subaquáticos que o gelo emite, a até 100 metros de profundidade, e medir a poluição sonora marinha em um ambiente tão isolado.
Sua esposa Cleo lembra a sensação de captar, debaixo d’água, aquilo que não se pode ouvir na superfície.
“O tempo todo, algo se rachava ou quebrava e, fora da água, não percebíamos nada. A sensação é um pouco sinistra, mas isso mostra que o iceberg está sempre em movimento”, completa.
Para Sylvestre, tudo o que está sendo coletado em imagens, “um relato visual completo do que é a Passagem, servirá de base de pesquisa para muitos cientistas”.

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