Escrito há mais de um século, “A morte da Terra” é como um spoiler ambiental, daqueles com revelações que ninguém gostaria de saber. Mas deveria.
É um livro do passado que adianta o futuro. Infelizmente, o autor não traz nenhuma novidade sobre essa Terra decadente, mal administrada e fadada ao desaparecimento.
O belga J. H. Rosny Ainé ambienta sua história em um planeta onde os últimos habitantes vivem em uma espécie de bolhas auto-suficientes, onde Targ, o vigia do Grande Planetário, e sua irmã Arva se mantêm vivos por conta de sua emotividade superior e esperança elevada.
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Em uma era posterior às grandes catástrofes, os personagens vivem em oásis, onde a vida persiste só ali. O resto são desertos de ar rarefeito “mais parado do que as rochas”, os oceanos já não cobrem parte do mundo e a água é fabricada. É como se a Los Angeles futurista de Blade Runner fizesse esquina com a desértica Austrália de Mad Max.
Nas palavras de Mia Couto, escritor moçambicano que assina o prefácio do livro, “são vozes nossas (…) que carregam temores que são bem atuais”.
Há 110 anos, o fim já dera início nessa obra pretérita que nos conta sobre o futuro do presente. É “visionário, profético e inovador”, na descrição do posfácio do jornalista Eduardo Bueno.
“A morte da Terra”, relançado no Brasil em 2019 pela editora Piu, ganha vida com as ilustrações do cartunista gaúcho Rodrigo Rosa, cujo currículo acumula trabalhos como as adaptações caprichadas para os quadrinhos de clássicos como Macunaíma, Grandes Sertões: Veredas e Os Sertões. É o respiro ilustrado em um texto denso, questionador e fundamental.
É um livro sem rodeios que a gente lê, estupefato, numa só sentada. Mais rápido do que qualquer maratona de série de ficção científica, mas com questionamentos que martelam a cabeça do leitor quando se termina a última página.
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Em pouco mais de 100 páginas, Rosny Ainé levanta temas que até hoje a Humanidade não consegue administrar.
De meio ambiente à política, reflexões urgentes cruzam o mundo do protagonista Targ, que vive em uma Terra onde um conselho de leis rigorosas decide quem pode constituir família e determina as uniões; os alimentos são metamorfoseados, cientificamente; a vida selvagem foi dizimada; e o suicídio é “a mais temível doença da espécie”.
“A Morte da Terra” é um livro, desesperadoramente, atual, como se uma timeline de uma antiga rede social passasse diante dos olhos do leitor de hoje.
E, no final, só nos restam mesmo doses elevadas de emoção e esperança.
SAIBA MAIS
“A Morte da Terra” (editora Piu)
J. H. Rosny Ainé
www.editorapiu.com.br
Sobre o autor
J. H. Rosny Ainé é o pseudônimo do belga Joseph Henri Honoré Boex, que começou a carreira em parceria com o irmão mais novo. Juntos, assinaram livros com o nome J.H.Rosny até a separação da dupla, em 1909.
Em 1925, Rosny Ainé publicou sua obra mais famosa, Les Navigateurs de l’infini (“Os navegadores do infinito”, em tradução livre), com a qual ficaria conhecido como o inventor da palavra “astronauta”.
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