Aquele ano fora intenso: recordes de embarques e malas nunca viajadas se arrastavam mundo afora.
Quem nunca tinha ido, passou a ir; quem já viajava, o fez ainda mais.
O país tinha decolado em capa de revista estrangeira, entrou em grupos econômicos internacionais e mandou para fora um número ainda maior de turistas de primeira viagem.
Naquele ano, perdi as contas de quantas vezes cruzei um ou dois oceanos, na mesma viagem, para colher histórias do outro lado do mundo. Nem sabia mais quantas fronteiras tinha curzado, nem a quantidade de países visitados.
Não eram tantos, mas distantes como aqueles pensamentos soltos que me confundiam a memória.
VEJA TAMBÉM: “[crônica] Turismo de esquina”
“Senhor, qual é o seu destino?”, insistiu a atendente do balcão no aeroporto de Guarulhos.
Naquele ano de fartura de trabalho, sai de casa com maior frequência. Uma mala nas costas e outra de roupas, sobre rodinhas, ia de Guaratinguetá à Austrália com a mesma desenvoltura das aeromoças dos voos transcontinentais.
A frase ainda estava congelada no ar, quando corri os olhos sobre as folhas do passaporte, antes de deixá-lo cair sobre o balcão gelado do check-in.
“Moça, eu não sei”, respondi, esperando que a resposta displicente pudesse ser mal interpretada.
A atendente sorriu, compreensiva, pediu licença para pegar o documento e digitou dados no computador.
“Para Montevidéu, senhor. Janela ou corredor?”
Mais tarde, no quarto de um hotel em algum lugar igual a outro, trocou os bilhetes aéreos por páginas em branco que precisavam ser preenchidas.
LEIA TAMBÉM: “[CRÔNICA]: Eles não moram mais aqui”
Seja o primeiro a comentar