Viagem de Graciliano Ramos na União Soviética ganha nova edição

As primeiras viagens de Graciliano Ramos foram por aqui mesmo, no quintal do Nordeste.

De Quebrangulo, sua cidade natal, o alagoano viajaria por Viçosa, Maceió, Palmeira dos Índios e também pela pernambucana Buíque.

Mas esta não é uma viagem por angústias, amores proibidos ou terras esturricadas pela seca. É um périplo de dois meses pela URSS, onde o escritor visitou “Moscou e outros lugares medonhos” daquelas antigas repúblicas soviéticas, além da Checoslováquia.

foto: Divulgação

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Em 1952, já com a saúde comprometida, o autor de ‘Vidas Secas’ viajou acompanhado de uma comitiva a convite do Comitê Central do PCB, que assistiria às celebrações do 1º de Maio, na capital da Rússia.

Depois de viajar “como barata doida” por destinos como Ucrânia e Geórgia, o alagoano registrou sua experiência em ‘Viagem’, livro póstumo publicado, em 1954, um ano após sua morte, e que agora ganha nova edição, em comemoração aos 90 anos da Editora José Olympio, com ilustração de Cândido Portinari na capa e fotografias raras de Graciliano durante aquela viagem.

Avesso à panfletagem política e à “literatura de elogio”, Graciliano, porém, trouxe um mundo novo a seus escritos.

Com sua literatura tão bem cuidada, assim como as lavadeiras alagoanas cuidavam de suas roupas na beira do rio, o escritor vai da autobiografia às reflexões políticas, em um livro dinâmico de capítulos curtos com textos em forma de diário que leva o leitor a outros tempos.

Graciliano não fez turismo, mas, 72 anos depois, a gente ainda tem vontade de conhecer aquilo tudo de perto, ainda que aquelas fronteiras elásticas já não sejam mais as mesmas, em pleno 2024.

Nova edição de ‘Viagem’

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Graciliano (viajante) Ramos

Decidido pelos deslocamentos terrestres, desde que perdera um amigo num acidente aéreo, Graciliano não era chegado em avião (para ele, uma “encrenca voadora”). Por isso, quando foi convidado para essa sua última viagem, da vida e da literatura, o escritor bem que recusou, mas acabou sendo convencido pelos mais próximos.

“O romancista não escondia o desejo de conhecer o país que liderava o processo de construção de uma nova sociedade”, lembra Dênis de Moraes, no posfácio de uma das edições anteriores de ‘Viagem’, publicadas pelo Grupo Editorial Record.

Assim, nas deliciosas descrições por aqueles mundos distantes, o leitor testemunha
o interesse do escritor por árvores, como em Paris, Rússia e Checoslováquia (“Que plantas seriam aquelas?”), e como o vício do cigarro colocou o brasileiro em situações desconcertantes.

Em certa ocasião, no “vasto formigueiro” das estações do metrô de Moscou, o alagoano foi repreendido por um guarda por ter acendido um cigarro. Desconcertado, jogou o mesmo sobre uma “pedra luminosa”, algo também proibido.

“As salas suntuosas não eram feitas para que nós a sujássemos com cinza”, disse, rude, seu acompanhante local.

foto: Divulgação

Graciliano também relevou o culto a personalidades ainda vivas, como o excesso de retratos a Josef Stalin, imagem constante em boa parte de sua viagem. Curiosamente, o brasileiro Graciliano e o então primeiro-ministro da União Soviética morreriam no mesmo 1953, com apenas 15 dias de diferença.

Apesar dos diversos passeios durante a viagem, o autor não faz turismo em seu ‘Viagem’, mas se deixou ser tomado por pedaços de História daquela vida particular, paralela ao resto do mundo.

Assim, visitou uma fábrica de meias (mais instituição social do que indústria), em Tbilissi, capital da Geórgia, conheceu uma espécie de colônia de férias dos trabalhadores da indústria de chá e reverenciou uma praia de areia escura, por onde haviam passado antigas embarcações gregas, ambas em Gagra, às margens do Mar Negro.

Gracliano Ramos (à dir.) foto: Divulgação

“De qualquer forma os gregos andaram por aqui, isto é um mar histórico em excesso, precisamos dedicar-lhe reverência”, escreveu em seu livro, cujas crônicas viageiras são datadas com o dia e o local em que cada texto foi escrito, nos meses seguintes à viagem: Cannes, Mediterrâneo, Rio e Buenos Aires.

Deslocada no tempo e no espaço, a obra aproxima o leitor de hoje àqueles tempos passados.

E, ainda que o livro traga o posicionamento político do autor sobre temas como classes sociais, operários e ditaduras, ‘Viagem’ rompe a própria cortina de ferro de Graciliano e revela o lado viajante do autor.

Teve até saidinha de compras para gastar dinheiro local que não podia “ir para o estrangeiro”.


“O jeito que temos é copiar o que nos ensinam. Se não copiarmos direito, prejuízo para o leitor. Pregamos o nariz no caderno – e os lugares, as coisas, nos escapam.”

(trecho de ‘Viagem’ )


SAIBA MAIS

Viagem’ (editora: José Olympio)
Graciliano Ramos

Na edição lançada mais recente, em comemoração aos 90 anos da Editora José Olympio, a obra tem capa com ilustração de Cândido Portinari e fotografias raras de Gracialiano em terras soviéticas.

Preço sugerido: R$ 54,90

record.com.br


CONFIRA FOTOS DA VIAGEM DE GRACILIANO RAMOS

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