Textos inéditos do coronel Fawcett são lançados no Brasil

Após uma fatigante viagem por florestas indomáveis, Percy Harrison Fawcett só queria uma vida normal com jornal no café da manhã, conversas com o pároco da vila e discussões descompromissadas sobre o tempo.

Mas sua alma curiosa levaria esse coronel britânico para outras dimensões, daquelas de onde ninguém voltava.

A Editora Record lançou recentemente os textos inéditos desse explorador britânico que encasquetou que no miolo do Brasil ficava um portal para uma cidade perdida lotada de ouro.

Fawcett (centro) na expedição à nascente do Rio Verde (foto: Editora Record/Divulgação)

“A Expedição Fawcett: jornada para a cidade perdida de Z” surpreende não só por ter sido organizada pelo filho mais novo do coronel, Brian Fawcett, na década de 1950, mas também pela variedade de escritos do próprio Fawcett, como cartas e diários de viagem, após diversas experiências exploratórias na América do Sul.

Lançado originalmente em 1953, após a expedição de busca com o brasileiro Antonio Callado, no ano anterior, o livro organizado pelo caçula Brian era inédito no Brasil até então.

– “Que história”, escreveu o caçula, ao ler aquilo tudo.

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A mais famosa delas é de 1925 quando, em busca de uma civilização perdida, Fawcett, seu filho Jack e Raleigh Rimellum, filho de um médico de Seaton, na Inglaterra, partiram de Cuiabá para o interior de um país “assustadoramente isolado do mundo”, como definiu Jack, em uma das cartas para o irmão Brian.

Se o explorador britânico, de fato, conseguiu encontrar o cobiçado Eldorado, ninguém ficou sabendo. Porém, vão-se os aventureiros, mas ficam os mistérios (e os títulos) que, até hoje, mantêm essas histórias tão vivas. Prova disso é que, quase cem anos depois, a gente segue vendo lançamentos de livros como esse que acaba de chegar ao Brasil, agora, com tradução em português.

Percy Fawcett (foto: Domínio Público)

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Diz a lenda que Fawcett, uma figura que parece uma mistura de Sherlock Holmes e o professor de arqueologia dos filmes de Steven Spielberg, teria inspirado a criação do personagem Indiana Jones.

Com seu inconfundível chapéu Stetson e um gosto exagerado por aventuras, o viajante até tinha experiências em destinos distantes como Hong Kong e Sri Lanka, mas em terras brasileiras o buraco era mais embaixo.


Nasce a lenda

A mais de 500 km da capital do Mato Grosso, a Serra do Roncador veria nascer uma das mais misteriosas histórias de expedições interiores do Centro-Oeste brasileiro. A região é conhecida até hoje por títulos como Portal para Atlântida, entrada para a Terra Oca e até caminho para Machu Pichu, no Peru.

Essa publicação organizada por Brian Fawcett é uma rara oportunidade de ler os detalhados escritos deixados pelo pai, da lenda de Muribeca, que o teria inspirado a dar seus primeiros passos em busca de cidades perdidas, a experiências de demarcação de fronteiras sul-americanas.

Para Percy Fawcett, aquelas viagens eram “a oportunidade para fugir da monótona vida de um oficial de artilharia”.

“Era a voz dos lugares selvagens […] que agora faria parte de mim para sempre”, escreveu em um dos textos no livro que acaba de ser lançado no Brasil.

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Entre 1906 e 1924, foram sete expedições na América do Sul, onde Fawcett chegou a pedir apoio ao governo brasileiro, na época sob o comando do presidente Epitácio Pessoa, para encontrar as tais terras desconhecidas.

Se para especialistas aquilo tudo soava demasiadamente fictício, “A Expedição Fawcett” (editora Record) é uma dose elevada de narrativas aventureiras que não só entretêm como também informam, como as detalhadas descrições de experiências que o britânico teve em países como Peru e Bolívia.

“Não dá para ficar um dia no Peru ou na Bolívia sem ouvir algo a respeito de tesouros incas”, delicia-se o coronel que, desde pequeno, era fã de histórias de aventura.

Para completar o enredo, Fawcett era amigo do autor de “As minas do rei Salomão”, Henry Rider Haggard, que lhe deu uma estatueta de basalto com letras desconhecidas que teria vindo do Brasil; e de Arthur Conan Doyle, criador do detetive Sherlock Holmes , cujo clássico “O Mundo Perdido” teria sido inspirado nas viagens de Fawcett.

Em mais de 400 (deliciosas) páginas, acompanhadas de outras 24 com mapas e fotografias feitas por Fawcett no Brasil, Bolívia e Peru, a obra traz alguns dos perrengues que Fawcett passou no continente, em 1906, como a falta de banho e os quartos sem ventilação, em La Paz, e as “sérias inconveniências” sofridas pelo consumo de carne de carneiro, em Sorata, ambos na Bolívia.

Em seus escritos, Fawcett também mostra seu lado cômico, até então desconhecido por aqui, com histórias divertidas como a do médico estrangeiro que diagnosticou um tumor canceroso na boca de um boliviano. Mas, enquanto o paciente falava, “o ‘tumor’ mudou de uma bochecha para a outra.

– “Era uma bola de coca!”, lembra Fawcett em seu diário.

Outra história que reforça a onda de buscas compulsivas por cidades perdidas, naquele começo de século XX, é a dos operários que reformavam uma casa antiga, em Arequipa, no Peru. Na esperança de encontrar tesouros escondidos, os homens foram escavando a parede até alcançar a despensa da vizinha enfurecida que acompanhava a pseudo escavação arqueológica de seus pratos de prata e louça de barro.

“Atraído por qualquer tipo de risco”, Fawcett acreditava que, pelo menos uma vez na vida, a morte encara os homens nos olhos “e segue adiante”.

Mas naquela sua última viagem, ela viria para ficar.


Expedição Fawcett

Mais do que dar detalhes da busca derradeira do explorador, em 1925, “A Expedição Fawcett” traz ao leitor detalhes de viagens anteriores que vão fornecendo elementos suficientes para a compulsiva ideia de encontrar uma cidade perdida.

Equipado com sextante, cronômetro e uma câmera da Stereoscopic Company, Fawcett até podia ter precisão na delimitação de fronteiras internacionais, mas não escapou daquela floresta indomável e exigente com forasteiros.

Foram três meses de preparo no Brasil.

Com pouco dinheiro e desacreditado por governos e grupos científicos, o trio partiu no dia 20 de abril de 1925, acompanhado de mulas e cachorros, e uma bagagem que incluía mantimentos, armas, munição e soro antiofídico doado por Vital Brasil, do Instituto Butantã.

O destino seria a Cidade Perdida de Z, que poderia ser V, X ou Y, mas assim foi chamada por Fawcett “por conveniência”.

Fawcett (esq.), em Cáceres (foto: Editora Record/Reprodução)

Na época, chegou-se a cogitar que, mais do que encontrar a Cidade Abandonada, como Z também foi chamada, o britânico queria mesmo era achar ouro ou qualquer outro objeto de valor que lhe rendesse fama internacional e dinheiro.

No final de maio daquele mesmo ano, Fawcett escrevia avisando que a pequena comitiva estava a ponto de entrar em território inexplorado e desconhecido até então. Aquela seria sua última viagem.

“Depois disso, nada mais se ouviu dele e até hoje o seu destino permanece como um mistério”, registrou o caçula Brian no epílogo do livro recém lançado no Brasil.

Fawcett costumava despistar curiosos enviando localizações imprecisas para a família e rejeitando equipes de resgate, no caso de não voltarem. O coronel aventureiro só tinha uma certeza:

– “Que as cidades existem, eu sei”.

Brian Fawcett com os Kalapalo (foto: Editora Record/Reprodução)

Cadê o Fawcett?

O resgate do trio Fawcett-Jack-Raleigh seria uma obsessão da imprensa mundial e as décadas seguintes assistiriam a diversas expedições, algumas delas inclusive financiadas pelo empresário Assis Chateaubriand.

Nos anos 50, O Cruzeiro, uma das publicações do conglomerado de Chatô, voltou ao assunto em uma expedição bancada pelo próprio empresário, quem cedeu seu avião para que Antonio Callado, jornalista do concorrente Correio da Manhã, viajasse à região do Xingu, em busca da suposta ossada de Fawcett.

Acompanhado de Brian Fawcett, Callado viajou até a região da Serra do Roncador, em 1952, para dar fim ao mistério.

Orlando e a suposta ossada de Fawcett (foto: Wikimedia Commons)

Naquela mesma época, o sertanista Orlando Villas Boas anunciava que os Kalapo teriam confessado o assassinato do desaparecido e informado a localização exata de sua ossada. Mas um dentista que tratara o coronel, no Rio de Janeiro, desmentiu a tese, confirmando que aquela arcada não pertencia ao coronel.

Assim como lembra Brian Fawcett no livro, “as pessoas que encontram tesouros geralmente estão ansiosas em manter o fato em segredo”.

E, daquela vez, Percy Fawcett parece que conseguiu.


“A Expedição Fawcett: jornada para a cidade perdida de Z”
Brian Fawcett (organizador)

448 páginas

R$ 99,90

record.com.br


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