Assim que o turboélice bimotor Fairchild parou de forma violenta, a euforia do jovem Álvaro Mangino, que tinha 19 anos na época, deu lugar ao pânico, ao ver que sua perna estava solta.
E, se até hoje ele “caminha bem”, é graças a Roberto Canessa, então estudante de Medicina e um dos passageiros do fatídico voo que caiu na cordilheira dos Andes, em outubro de 1972.
Mas este sábado, 30 de março, é data para comemorar seus 71 anos de vida. Ou melhor, de renascimento.
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Sobrevivente dos Andes
Álvaro Mangino é um dos 16 sobreviventes, de um total de 45 passageiros, que caíram aos pés das serras de San Hilario, entre os vulcões Tinguiririca e Sosneado, a quase quatro mil metros de altitude, onde o voo F571 da Força Aérea do Uruguai se partiu em dois e caiu, às 15h30, no Valle de las Lágrimas.
Em depoimento ao jornalista Pablo Vierci, autor do potente A Sociedade da Neve, livro que deu origem à série homônima da Netflix, o sobrevivente-aniversariante conta que precisou se virar para não ter que depender dos outros, que “tinham emergências demais a resolver para ficar carregando um inválido nas costas”.
Entre as medidas tomadas, Mangino chegou a dormir nas redes penduradas no interior do jato, reservadas para os feridos mais graves.
“O frio era insuportável, de dez a quinze graus a menos que embaixo [das redes], onde havia o calor dos corpos apertados uns contra os outros”, relata.
Outro momento delicado de sua história nas montanhas foi o de comer carne humana, a decisão “mais difícil que tomei em toda a minha vida”. Como conta o próprio Mangino, ele era um dos cortadores de carne.
No oitavo dia, após o acidente, os jovens começaram a fazer os primeiros cortes nos corpos com cacos de vidros na pele endurecida pelo gelo. Os mortos eram a esperança para os vivos que, para evitarem a traumática possibilidade de se alimentarem de alguém conhecido, colocaram os corpos do lado de fora do avião, a fim de não serem identificados.
“Éramos máquinas de sobrevivência, sem pensar muito no que estava acontecendo. A gente tinha que seguir sempre adiante. Não chorávamos pelos amigos mortos porque isso nos fazia perder a energia. Tínhamos que sobreviver sem nos importar com o que estava acontecendo”, relata o também sobrevivente Roy Harley, em entrevista para o Viagem em Pauta.
Atualmente, após mais de três décadas sem tocar no assunto do acidente, o uruguaio Álvaro Mangino, produtor de vinhos e com quatro filhos e netos, dá palestras sobre a experiência nos Andes. Até a publicação do livro de Vierci, em 2008, já tinha estado de volta sete vezes ao local do acidente, algumas delas com sua família.
“Sinto que minha vida é um grande desvio, que começa e termina na montanha”, analisa Mangino.
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