Sobreviventes dos Andes falam sobre filme da Netflix

Tem certas histórias que a gente não se cansa de ouvir, perduram por anos e, de tempos em tempos, ganham ares de novidade. E, no caso do sobrevivente Roy Harley, só nos últimos meses, já foram três vezes.

Mais de 50 anos depois, e após uma infinidade de filmes, documentários e livros, o trágico acidente aéreo nos Andes, em 1972, ganha uma nova versão no filme ‘A Sociedade da Neve’, que estreia nos cinemas no próximo dia 14 de dezembro.

Com estreia também na Netflix, em 4 de janeiro de 2024, o filme tem direção de J. A. Bayona (‘O Impossível’ e ‘O Orfanato’) e é baseado no livro homônimo escrito por Pablo Vierci.

foto: Netflix;Divulgação

“Inicialmente, quis guardar esta história entre os sobreviventes, queria guardá-la como quem guarda algo muito querido, em um cofre. Mas é impossível, a história não nos pertence”, conta o sobrevivente Roy Harley, com exclusividade, para o Viagem em Pauta.

Desde que o filme começou a ficar pronto, Harley já assistiu três vezes: um primeiro corte sem música e com a presença do diretor, outra só com sobreviventes e seus familiares diretos, e uma terceira com os familiares dos mortos e autoridades do governo.

O sobrevivente Roy Harley, no centro, com um bebê no colo (foto: Arquivo Pessoal)

“É muito bom, muito fiel à história que vivemos [nos Andes]. Bayona soube interpretar nossos relatos e transformá-los nessa história maravilhosa”, descreve Harley, que elogia também a fotografia e a trilha sonora, e acredita que será “um grande filme em nível mundial”.

Aliás, um dos destaques é a impressionante reconstituição dos registros fotográficos da época que, no filme, ganham vida com os atores do elenco, como se vê nas duas fotos comparativas abaixo.

Foto original (esq.) e filme da Netflix (dir.)


Os sobreviventes dos Andes

A viagem do turboélice bimotor Fairchild, entre Montevidéu e Santiago, deveria durar três horas, aproximadamente, mas os passageiros sobreviventes só voltariam para casa mais de dois meses depois.

Após decolar da capital uruguaia com 40 passageiros e cinco tripulantes, o jato da Força Aérea do Uruguai perdeu velocidade e se chocou contra aquelas montanhas andinas, partindo-se em dois.

Aos pés das serras de San Hilario, entre os vulcões Tinguiririca e Sosneado, a quase quatro mil metros de altitude, o F571 caiu às 15h30 no Valle de las Lágrimas, no meio da imensidão.

Foram 72 dias sem banho nem troca de roupa, à espera de um resgate que parecia nunca chegar. Dos 45 passageiros, apenas 16 sobreviveram.


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A Sociedade da Neve

Para o também sobrevivente Gustavo Zerbino, em depoimento à reportagem, a organização daquela micro sociedade foi uma maneira de aceitar o destino naquele “modo montanha” que tiveram que encarar, durante a longa espera por resgate.

“É preciso ter em conta que, a quase quatro mil metros de altitude, quando o mundo inteiro te abandonou, você tem que aceitar que o destino de morrer ou viver depende de você”, conta Zerbino.

Para ele, a sobrevivência dependia da construção de “uma sociedade solidária onde as regras e normas apareciam por necessidade. Vivíamos no caos total, rodeados pela morte”.

“O filme consegue mostrar exatamente o que vivemos na montanha. Que as pessoas sintam e se conectem com o que estivemos vivendo ali [em 1972]. É muito positivo para essa época que estamos vivendo nesse mundo de guerras, soberbia e arrogância”, descreve Zerbino em áudio enviado para o Viagem em Pauta.

Porém, esse sobrevivente faz questão de lembrar que os protagonistas são aqueles que morreram no acidente, “que nos ajudaram a sobreviver”.

“O filme fecha uma etapa, mas vai conectar o mundo inteiro pela história de sobrevivência mais importante do século XX”, finaliza Zerbino.

foto: Netflix/Divulgação

Sem saber se estariam vivos, no dia seguinte, Roy Harley acredita que a incerteza era mais difícil do que a fome, o frio e a sede.

“Éramos máquinas de sobrevivência, sem pensar muito no que estava acontecendo. A gente tinha que seguir sempre adiante”, completa Harley, quem afirma durante a entrevista que os sobreviventes não choravam pelos amigos mortos porque aquilo os fazia perder a energia.

“Tínhamos que sobreviver sem nos importar com o que estava acontecendo”, diz.

O Viagem em Pauta conversou também com o piloto privativo Mauricio Guerra, que hoje organiza tours até o Vale das Lágrimas, local do trágico acidente no dia 13 de outubro de 1972.

A viagem, que inclui cruzamento de rio e acampamento na neve, leva os visitantes até o local do acidente, onde ainda é possível encontrar destroços do turboélice bimotor Fairchild fretado da Força Aérea do Uruguai para levar jogadores de rugby do Old Christianss Rugby Club do colégio Stella Maris, escola em Carrasco, bairro de classe média alta em Montevidéu.

“É uma história que dá origem à uma sociedade em todos os sentidos, uma sociedade de esperança, de luta e união. Que essa história seja estudada e conhecida pela luta de sobrevivência. A esperança nunca se perde”, analisa Guerra.

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Local do acidente (foto: Mauricio Guerra)

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Esse também guia de montanha conta que, em conversas posteriores, o piloto do helicóptero de resgate chegou a confessar que nunca acreditou que houvesse sobreviventes e “que aquela gente estivesse louca, que era impossível que eles tivessem cruzado a cordilheira”.

Guerra acredita que o novo filme vai além do sensacionalismo de uma história de sobrevivência, “é notável e apaixonante”.

“Cada um deve vencer a sua própria cordilheira”, finaliza.

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3 Comentários

  1. Um filme que ficou tatuado em minha memória, desde a adolescência. Lembro de ficar semanas sem conseguir me desligar das cenas, e ao longo da minha vida sempre lembro deste filme, pois o assisti na época que eu não destinguia entre os personagens do filme e os verdadeiros integrantes da história da vida real.

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