Conheça a casa-museu de José Saramago, Nobel de Literatura

O interfone branco da casa de José Saramago e Pilar del Río nunca funcionou muito bem, o que algumas dezenas de vezes obrigou o próprio Prêmio Nobel da Literatura se dirigir à porta para saber quem insistia em tocar a campainha.

Não raro, o visitante desconhecido do lado de fora – um fã em busca de uma dedicatória ou alguém para trocar palavras – era convidado para entrar e tomar café português na cozinha daquela casa branca com vista para o mar de Puerto del Carmen, nas Canárias, arquipélago espanhol.

Quatorze anos depois de sua morte, lembrados neste 18 de junho, talvez já tenham até consertado o interfone. Mas tudo segue lá dentro daquela casa que emprestou seus cômodos para abrigar um museu.

A gente nunca sabe se está em uma casa que virou museu ou se é um museu com alma de casa.

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A casa de José Saramago

Em 2015, o Viagem em Pauta foi recebido na casa por Juanjo, filho de Pilar del Río, esposa de Saramago.

Em uma conferência em Tenerife, em maio de 1991, José e Pilar aproveitaram a viagem para visitar os cunhados María del Río e Javier Perez, que já moravam nessa ilha de 845 km² de extensão. Apaixonados por aquele cenário de traços surreais, Pilar teria perguntado a Saramago com a intenção de fincar raízes por ali: “Nosso futuro passa por Lanzarote, José?”.

Não só o futuro, como também o presente e o passado.

O relógio da sala ainda marca 16h, horário em que o escritor conheceu a esposa; o computador onde escreveu clássicos segue sobre a mesa de madeira da biblioteca; e o café ainda é preparado na cozinha para o recém-chegado.


Localizada no município de Tías, em Lanzarote, ‘A Casa’ foi a residência em que o casal dividiu espaço com os cunhados de Pilar, por 18 anos, e local onde Saramago escreveu obras como Ensaio sobre a cegueira e A viagem do Elefante.

A visita guiada pelos cômodos da casa, transformada em museu em 2011, é como uma experiência literária ao vivo, em que os textos escritos pela própria Pilar vão sussurrando detalhes das vidas profissional e pessoal de Saramago, nos ouvidos dos visitantes que são acompanhados pelo áudio guia.

Assim como em sua obra, de textos marcados pela oralidade e pela pontuação nada convencional, a visita surpreende. Sobretudo quando o guia que lhe abre a porta da casa é Juanjo, que também trabalha no museu.

A 140 quilômetros da costa da África e a outros mil da Península Ibérica, a casa se destaca em meio à paisagem vulcânica dessa ilha espanhola.

Prêmio Nobel
No mesmo ano em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos completava meio século, em 1998, o escritor José Saramago recebia na Suécia o Prêmio Nobel de Literatura.

Seria uma premiação cheia de coincidências significativas para o polêmico escritor que recusaria, um ano depois, o título de doutor honoris causa pela Universidade de Belém do Pará, em protesto contra o massacre de camponeses em Eldorado dos Carajás, em 1996.

Essa e outras histórias sobre o primeiro e único escritor de língua portuguesa a ganhar um Nobel podem ser escutadas em uma das experiências literárias (e turísticas) mais emocionantes em terras espanholas.


Biblioteca
Um dos espaços mais marcantes dessa ‘casa feita de livros’, como Saramago definia a residência, esse ambiente tem um acervo de 16 mil livros, além de objetos como o computador usado pelo escritor e um quadro do pintor checo Jiri Dokoupil, em que o casal é retratado em desenhos feitos com fumaça de vela.

Nessa espécie de exposição de livros, é possível ver obras com dedicatórias de escritores como Gabriel García Márquez e Eduardo Galeano, e uma estante só com títulos escritos por mulheres, um pedido feito pela própria Pilar, para quem “elas têm seu espaço, nas bibliotecas”.

A rotina do escritor no local era se sentar na mesa em frente, todas as manhãs, para ouvir música e retomar os escritos do dia anterior.

foto: Eduardo Vessoni

Sala
Local de descanso de Saramago, esse ambiente se destaca pelos diversos quadros pintados que retratam personagens dos livros do Prêmio Nobel, como as obras de Oscar Niemeyer e Carybé.

Essa sala possui vista para o jardim e o mar, que Saramago costumava chamar de “a melhor obra”. Era o lugar para estar, ter estado e seguir estando.

Escritório
O local onde Saramago escreveu “Ensaio sobre a cegueira” e os “Cadernos de Lanzarote” abriga dicionários, fotografias de familiares como as de seus avós e de sua única filha, coleções de tinteiros, canetas e corta-papéis, e uma cópia do Prêmio Nobel de Literatura.

Dado a Saramago, em 1998, o prêmio foi recebido no mesmo dia da comemoração dos 50 anos da Declaração dos Direitos Humanos e o original se encontra, atualmente, na Biblioteca Nacional de Portugal.


Quarto
Foi no quarto do casal que, no dia 18 de junho de 2010, José Saramago “deixou que a vida o fosse deixando ou se foi deixando ir da vida”, segundo descrição sobre esse cômodo da casa.

O local abriga livros, fotografias e gravuras adquiridas em um antiquário de Budapeste.

Eduardo Vessoni

Galeria
Nem só com livros se faz a casa de Saramago e Pilar.

Objetos feitos com materiais da ilha como o tapete de pedra vulcânica que Saramago cuidava, pessoalmente, uma gravura de César Manrique e arte portuguesa do século 17 são algumas das peças expostas nessa sala.

Destaques para a coleção de cavalos, uma das paixões de Saramago, sobre um móvel Art Déco (que passou a receber elefantes, após o lançamento do livro “A viagem do Elefante”) e o relógio que, assim como todos os outros da casa, marca quatro da tarde.

Cozinha
Esse é o ambiente mais socializador de toda a residência, onde os guias preparam um típico café português para os visitantes, hábito mantido desde a época em que Saramago passava algumas horas do dia no local.

Com vista para o jardim e até hoje local de almoço da família, a cozinha já recebeu nomes como Bernardo Bertolucci, Carlos Fuentes, Eduardo Galeano, Marisa Paredes, Pedro Almodóvar, José Luis Rodríguez Zapatero e Sebastião Salgado.

Uma das lembranças de Juanjo são as tardes de churrasco no jardim e as longas refeições na mesa da cozinha.

Jardim
Essa é a área externa que Saramago costumava se sentar para “sentir o vento, saber-se vivo, olhar o mar (…) pensar que o mundo pode ter remédio”.

Do local é possível avistar o Maciço de los Ajaches, área vulcânica no sul da ilha, e árvores plantadas como palmeiras, oliveiras portuguesas e andaluzas e uma romãzeira de Granada.

Hoje em dia, o interfone do lado de fora já não tem função (pelo menos enquanto o museu se encontra de portas abertas), mas a gente continua achando que José Saramago ainda vai atender à porta.

SAIBA MAIS

A Casa

De segunda a sexta, das 10h às 14h; quinta, das 10 às 14h e das 16h às 18h; sábados, das 10h às 13h; e fechado aos domingos.

ingresso: 12 €

acasajosesaramago.com

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