Caminhos das Ararunas: como é fazer a maior trilha do Nordeste

Nos Caminhos das Ararunas, na Paraíba, não basta só preparo físico. Longa e exigente, essa caminhada de cerca de 130 quilômetros de extensão é de conquistas e superação de limites.

A trilha mais longa do Nordeste acontece no Curimataú, região formada por 29 municípios que, de longe, lembra a Paraíba das praias lindas e das piscinas naturais.

“A questão física você se prepara na academia, mas o mental também precisa ser administrado. [A trilha] parece que não tem fim”, conta para o Viagem em Pauta a advogada Eliane Lemos, que completou o caminho, em julho deste ano.


“É uma experiência que eu indico para qualquer pessoa que queira ter isso como um refúgio. Você vai ver o mundo das trilhas com outro olhar.”

Rudson Silva – condutor

Eliane Lemos/Arquivo Pessoal

Aos 55 anos de idade e vivendo uma “vida louca de capital com a cara no computador”, em Natal (RN), essa pernambucana do Recife decidiu dar outro ritmo para a vida.

“Sou muito urbana e minha mente acelerada sentia falta de ter contato com a natureza”, conta Eliane, que decidiu se mexer por orientação médica. E no seu caso, mexer-se significou caminhar até 19 quilômetros por dia, debaixo de sol e de chuva, em direção a cânions, pinturas rupestres escondidas e comunidades isoladas, no interior paraibano.

Embora não seja novidade na região, o roteiro Caminhos das Ararunas surgiu para juntar todas as rotas já existentes em uma só, a partir do município de Araruna, a 165 quilômetros da capital João Pessoa, no limite com o Rio Grande do Norte.

Por isso, a caminhada pode ser feita por partes, em dias alternados, ou numa pernada só, geralmente, em oito dias consecutivos.

“O público regional, que mora num raio de 200 quilômetros, costuma fazer um trecho por mês. Já o nacional, por conta dos altos custos do aéreo, vem para passar de 10 a 12 dias na região”, explica Ricardo Câmara, presidente do Fórum de Turismo Sustentável do Curimataú Paraibano.

Parque Estadual da Pedra da Boca (foto: Eduardo Vessoni)

Segundo Câmara, desde que foi lançada, em 2021, a trilha já foi feita, parcialmente, por mais de 1.500 pessoas, e 280 realizaram a trilha completa. Alguns dos caminhantes, inclusive, usam a rota paraibana como para trilhas mais longas, como a de Santiago de Compostela, na Espanha.

No caso do Viagem em Pauta, por exemplo, a reportagem esteve nos trechos 1, 3 e 4, em dias diferentes.

Já Eliane Lemos, desde 2022, vem fazendo trechos em intervalos que variam de 30 a 40 dias, com uma pausa maior por conta da pandemia.

Mas como ela mora na capital potiguar, suas trilhas em Araruna costumam ser em viagens de bate e volta, exceto nas duas vezes que pernoitou nos trechos 1 e 7, respectivamente, em atrativos como a Casa da Colina, próximo ao Cânion do Macapá, e a Pedra da Macambira.

“Gosto de me aventurar, mas de forma séria e com guias habilitados”, avisa Eliane, que costuma contratar os serviços de uma agência potiguar que comercializa pacotes com transporte em van e acompanhamento de um guia.

Eliane, no Trecho II (foto: Arquivo Pessoal)

Quem vai encarar por conta essa trilha autoguiada, os organizadores recomendam o uso do Wikiloc, aplicativo de mapas alimentados por usuários com GPS que pode ser usado sem internet. Já quem não se sente seguro em caminhar sozinho, a dica é contratar um guia que conheça a região e seja especializado em trilhas de longa distância.

Uma das dificuldades que a reportagem teve, quando esteve no local, em 2022, foi a orientação, devido à falta de placas informativas de alguns trechos, podendo confundir quem não viaja acompanhado de um guia,

Segundo Câmara nos informou na época, placas do tipo não estão autorizadas pela Sudema-PB, o que significa também ficar sem ter detalhes históricos ou arqueológicos de alguns atrativos.

Para um caminhante sozinho, por exemplo, algumas pinturas rupestres podem ser um amontoado de manchas avermelhadas, naturalmente desgastadas, que leigos nem sempre têm condições de identificar nem interpretar.

Rudson Silva, condutor (foto: Eduardo Vessoni)

Questionado em nova entrevista, em agosto, Câmara disse que o Plano de Manejo da região ainda não está concluído, daí a ausência de placas. Porém, ele lembrou que no trecho que corta o Parque Estadual da Pedra da Boca a orientação é fazê-lo com o acompanhamento de um guia local, pois há escalaminhada (trilha com trechos de escalada que não exige conhecimentos técnicos).

Calor excessivo, poucas áreas de sombra e escassez de pontos de apoio são algumas das dificuldades para quem faz a trilha.

“Já cheguei a fazer 12 horas de trilhas no Trecho 6. Entramos na mato às 8h15 e saímos às 20h, passando pelas pedras da Caveira e do Forno. Chegamos no pôr do sol, nos encantamos demais e a gente acabou fazendo trilha noturna para voltar”, lembra Eliane.

Eliane nos ofurós do Trecho III (foto: Arquivo Pessoal)


Caminhos das Ararunas

Um dos destaques históricos são os 15 sítios arqueológicos com pinturas rupestres que datam de 10 a 12 mil anos, entre as cidades de Araruna e Cuité.

Entre os trabalhos que a reportagem visitou estão os da Tradição Agreste, desenhos em forma de “bonecões muito grandes feitos com o próprio dedo”, uma das características dessa tradição de tons avermelhados mais vivos, encontrada em Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte.

“A quantidade e o tipo de sítios mostram que Curimataú e Seridó estiveram ligadas com outras regiões importantes do ponto de vista arqueológico, como a Serra da Capivara, no Piauí, e a Pedra de Ingá, na Paraíba”, explica o arqueólogo João Rosa, que já encontrou no Piauí um painel com antigas gravuras, iguais às encontradas em Ingá, a 100 km da capital paraibana.

Uma parada inusitada é a cidade de Dona Inês, cidade a 145 quilômetros de João Pessoa conhecida pelo Memorial Lajedo da Serra, uma área de extração de granito com uma pedreira ainda em funcionamento com grafites do artista Tarciso Play.

“A ideia não é que as pessoas só caminhem por caminhar, mas que elas tenham contatos com nativos e possam vivenciar o cotidiano delas, como a criação de animais e as plantações”, conta Câmara.

VEJA VÍDEO

SAIBA MAIS: “Grafiteiro dá outros tons à pedreira na Paraíba”

Novidade

A trilha completa passa por três municípios (Araruna, Riachão de Araruna e Cuité) e cinco Unidades de Conservação (RPPM Várzea, Parque Estadual Pedra da Boca e as reservas Calabouço, Serra Verde e do Barbaço).

Assim como acontece em outras trilhas de longa distância, quem completa o trajeto é certificado pelo Fórum do Turismo do Curimataú. O passaporte para os selos deve ser retirado na Casa da Economia Solidária, no Trecho 1, em Araruna; já o certificado, após a conclusão de todas as etapas, deve ser emitido na Secretaria de Turismo da cidade.

Desativado por falta de estrutura, o 9º trecho volta em breve a fazer parte dos Caminhos das Ararunas.

De acordo com Ricardo Câmara, serão cerca de 14 quilômetros, começando no Santuário Nossa Senhora dos Remédios, entre Araruna e Cacimba de Dentro, até o município de Cuité, com foco na observação de aves da caatinga, grutas e nascentes de água.

Santuário Nossa Senhora de Fátima, em Araruna (foto: Eduardo Vessoni)


TRECHO A TRECHO

Trecho 1
extensão: 16,5 km
atrativos: Cânion do Macapá, construções históricas do século XIX, tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba.

Trecho 2
extensão: 
14 km
atrativos: formações rochosas do Rio Curimataú, pinturas rupestres e ofurôs naturais.

Trecho 3
extensão: 
11,5 km
atrativos: Mata do Seró, cachoeiras (apenas nos períodos de chuva) e marmitas (formações rochosas em diversos formatos).

Trecho 4
extensão:
 13 km (percurso A) e 15 km (percurso B)
atrativos: Pedreira de Dona Inês e Comunidade Quilombola Cruz da Menina.

3rd_Caminhos das Ararunas
Cânion do Macapá, em Araruna (foto: Eduardo Vessoni)

Trecho 5
extensão: 
17 km
atrativos: Museu Rural do Ciclo do Algodão (Comunidade do Querido), mirantes naturais e prédios históricos do século XIX.

Trecho 6
extensão:
 19 km
atrativos: Parque Estadual da Pedra da Boca e sítios arqueológicos no Santuário Nossa Senhora de Fátima.

Trecho 7
extensão: 
14,5 km
atrativos: Pedra da Macambira, Cânion da Serra Verde e sítios arqueológicos.

Trecho 8
extensão:
 17,7 km
atrativos: reservas florestais e comunidades rurais.

Reprodução

DICAS VIAGEM EM PAUTA

– Em comparação com o restante da Paraíba, Araruna é uma região de clima mais ameno, porém o sol na caatinga é forte e pode castigar. Leve boné ou bandana para proteger o rosto e camisetas dry fit com proteção UV.

– Leve sua própria água, pois diversos trechos do caminho não contam com pontos de recarga.

– O condutor Rudson Silva, que acompanhou o Viagem em Pauta nesta viagem, recomenda também o uso de luvas e calças em alguns trechos para proteção contra espinhos da vegetação, como macambira, xique-xique e mandacaru.

– Em algumas comunidades, como a que fica perto do Santuário de Nossa Senhora de Fátima, pequenos comércios servem refeições sob encomenda. Mas não conte com a sorte e leve lanche de trilha.

– Durante a travessia, a hospedagem pode ser feita em casas de moradores, campings com estrutura para receber turistas ou em “área raiz, onde você não possui nenhum tipo de estrutura”, lembra Rudson.

SAIBA MAIS: redetrilhas.org.br


VEJA VÍDEO DOS CAMINHOS DAS ARARUNAS

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*