Desenhada dois anos antes da pandemia do coronavírus paralisar o planeta, a partir de 2020, ‘Boca a Boca’, do diretor Esmir Filho, chega a arrepiar a alma quando a personagem Guiomar (Denise Fraga) esfrega álcool gel nas mãos, antes de começar seu temido discurso com um dos alunos da escola-modelo em que é diretora.
Lançada em julho daquele fatídico ano e co-dirigida por Juliana Rojas, a produção original da Netflix surpreendia pelas cenas que pareciam anunciar a chegada de uma pandemia.
Ao longo de seis (frenéticos) episódios, a dupla de diretores contava a história de um município conservador do interior do Brasil que tinha a rotina virada de cabeça para baixo quando uma infecção contagiosa transmitida pelo beijo atingiu seus adolescentes.
Gravada na Cidade de Goiás (GO), a série era uma espécie de prenuncio do que viria pela frente.

A pandemia de Esmir Filho
Bastou um beijaço geral, dosado com algumas gotas da droga que circulou em uma rave na noite anterior, para o moralismo da cidade fictícia Progresso ser sacudido por discussões como negação da doença, desinformação, fake news e polarização de ideias.
Em ‘Boca a Boca’, a arte não imitava a vida, mas a profetizava.
Um dos destaques da série é a fotografia instagramizada que pinta não só os sonhos de quem foi contaminado, mas também a festa que acontece em um parque dos arredores de Progresso, cujas cenas foram gravadas no Parque Ibirapuera, em São Paulo, e tem projeção mapeada em construções e árvores que dá tons de videoclipe à série.
As direções de arte e fotografia, assinadas respectivamente por Frederico Pinto e Azul Serra, abusam também da luz negra que cria o ambiente neon das cenas nas salas de isolamento dos infectados. É como jogar tinta nova sobre uma comunidade moralista, homofóbica e polarizada.

O ritmo da série é conduzido pela trilha sonora de Gui Amabis, que vai do hibridismo musical da Trupe Chá de Boldo, com a faixa ‘Na Garrafa’, ao eletrônico viajante da banda sueca Art Fact. Assim como descreveu o próprio diretor, na época, o clima musical vai além dos sintetizadores e “é repleto de cordas, berrantes e percussão”.
O synth-pop-rural da trilha, nas palavras de Esmir, é formado também por artistas como a brasileira Letrux e a polonesa Mary Komasa, cuja faixa ‘Come’ estava indicada no roteiro antes mesmo da aquisição dos direitos de uso.
‘Boca a Boca’ é uma viagem psicodélica feita de histórias construídas com música, luz e uma dose indigesta de problemas ultrapassados que a humanidade ainda não conseguiu resolver.
E para espantar tudo isso, vale até uma versão eletrônica do Boi da Cara Preta, outro achado na trilha sonora da série.
VEJA TRAILER
Cidade de Goiás
Patrimônio Histórico e Cultural Mundial pela Unesco, a cenográfica Cidade de Goiás, a 140 km de Goiânia, é conhecida como a terra natal da poetisa Cora Coralina, onde fica a Casa Velha da Ponte, construção do século 18, às margens do Rio Vermelho.
É ali que funciona o Museu Casa de Cora Coralina, cujo acervo conta com dez mil documentos arquivados, entre cartas e originais de fotos, dividido em espaço com móveis originais que podem ser vistos pelo visitante em oito ambientes da casa.

Mas o turismo por ali não se apega apenas à literatura.
Conhecido também como Goiás Velho, o destino é porta de entrada para o turismo de aventura, como as trilhas que podem ser feitas na Serra Dourada, no município vizinho de Mossâmedes, a 37 km.
Esse parque estadual sobre o platô da Serra Dourada abriga campos de Cerrado Rupestre, onde árvores crescem entre fendas rochosas, preserva exemplares endêmicos de Goiás como o pau-papel, cuja textura do caule lembra um papiro e tem uma fauna formada por capivaras, antas, tatus, tamanduás e onças.
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