Cora Coralina: Cidade de Goiás celebra 40 anos de morte da poetisa

Toda vez que visito o Museu Casa de Cora Coralina, na Cidade de Goiás, tenho a sensação de que sua moradora mais conhecida vai chegar a qualquer momento. É na Casa Velha da Ponte, às margens do Rio Vermelho, que nasceu, cresceu e morreu Aninha, como a poetisa também era conhecida.

Atualmente, o local abriga um espaço de três mil m² aberto ao público, onde um busto debruçado na janela observa a movimentação do labirinto de becos e ruas estreitas de pedras do lado de fora.

Neste dia 10 de abril, essa cidade a 140 quilômetros de Goiânia lembra não só os 40 anos da morte da poetisa tardia, de estatura frágil e palavras potentes, mas também os 60 anos da publicação do livro ‘Poemas dos Becos de Goiás e estórias mais’ (Global Editora).

É tanto motivo para comemorar, que Cora vai ganhar até um jardim novo.

foto: Eduardo Vessoni

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40 anos sem Cora Coralina

Era no quintal dos fundos da casa que Cora Coralina plantava as frutas colhidas para seus famosos doces cristalizados que começou a fazer para ganhar a vida, após uma temporada no interior de São Paulo para acompanhar o marido Cantídio Tolentino de Figueiredo Bretas, entre 1911 e 1956.

Contemplado pela lei Paulo Gustavo, através da plataforma Baru da Secretaria Estadual de Cultura de Goiás, o projeto ‘Quintal de Memória: resgatando o universo de Cora Coralina’ irá revitalizar o local onde a escritora-doceira colhia frutas como laranja da terra, abóbora, figo, goiaba e mamão, além de canteiros com plantas medicinais e horta.

Assim como informou para o Viagem em Pauta a diretora do museu, Marlene Velasco, o novo espaço “resgata o acervo botânico e artístico que marcou o cotidiano da poetisa, que passou a infância e adolescência , explorando o grande quintal”.

foto: Edson Beú/Divulgação

Cora tinha a ajuda de vizinhas para fazer os doces, mas era ela quem dava o ponto, ao lado de dicionário e papéis, no caso de ter uma inspiração repentina. E a poetisa sempre tinha.

“Seus doces eram um mosaico de cores em caixinhas embrulhadas em papel de presente e lacinho”, descreve Velasco. Em tempo difíceis, Cora chegou também a vender livros de porta em porta. 

O projeto incluirá também placas informativas em braile e áreas sensoriais que permitirão sentir o toque e o cheiro das frutas, que poderão ser degustadas.

Já do lado de dentro da casa, tudo segue igual.

foto: Eduardo Vessoni

Os imensos tachos de cobre repousam como se a última leva de doces acabasse de ser cortada, os vestidos floridos seguem pendurados no quarto e a velha poltrona de couro marrom continua encostada na parede da sala.

Na área construída de 300 metros, um acervo com dez mil documentos arquivados, entre cartas e originais de fotos, divide espaço com móveis originais que podem ser vistos pelo visitante em oito ambientes da casa.

Uma das peças em exposição é a carta que o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade enviou a Cora, em 1979.

Ah, você me dá saudades de Minas, tão irmã de Goiás. Dá alegria na gente saber que existe bem no coração do Brasil um ser chamado Cora Coralina.”

Carlos Drummond de Andrade
foto: Eduardo Vessoni

Em sala, uma folha amarela conta a história dos pedaços quebrados da última peça de um aparelho de jantar antigo de sua bisavó, descrita em detalhes no poema “O Prato Azul-Pombinho”, detalhada e sentimental, “puxada em suspiros saudosistas”, como relembra a própria poetisa, no livro ‘Poemas dos becos de Goiás’.

A cozinha em que Cora poetisa escorria a massa na peneira e mergulhava cada um em uma calda reduzida também pode ser visitada pelo público.

Cidade de Goiás (foto: Eduardo Vessoni)

Casa Velha da Ponte

Construída no século 18 para abrigar os “recebedores do Quinto Real”, a antiga residência de Cora Coralina foi adquirida pelo trisavô da poetisa, o sargento-mor João José do Couto Guimarães, e nunca mais deixou de ser da família, transformando-se em um dos principais atrativos da cidade.

Aliás, em 2025, outra data deve ser comemorada.

Há exatos 200 anos, a casa de 16 cômodos foi adquirida pelo trisavó de Cora, cuja estrutura pertenceu à família até 1985, quando uma construtora de Belo Horizonte (MG) a adquiriu e fez a doação à Associação Casa de Cora Coralina.

O casarão branco de janelas retangulares, bordeadas por madeira, resiste no tempo como a poesia de palavras incentivadoras de Cora. Mesmo após a enchente que afetou essa e outras construções da Cidade de Goiás, em 2001, a casa seguiu de pé, ainda que arquivos e estruturas tiveram que passar por restauros.

Goiás Velho, como a cidade também é conhecida, ainda guarda o visual cenográfico da época em que foi a primeira capital do estado. Até hoje, basta encostar na porta da casa de algum contemporâneo da moradora mais ilustre para a gente ser recebido com uma sequência de histórias nostálgicas da época.

No entanto, a poetisa não ficou apenas no passado. Cora tinha planos.

foto: Eduardo Vessoni
foto: Eduardo Vessoni

A poetisa tardia só aprendeu a datilografar aos 70 anos e publicou seu primeiro livro quando já tinha 76, em 1965. E teve tempo até de criar o Dia do Vizinho, celebrado todo dia 20 de agosto.

Como lembra Velasco, são 16 obras disponíveis no mercado e “muito material a ser publicado”, cujos inéditos estão no próprio museu e com a filha de Cora, Vicência Brêtas Tahan, de 96 anos. A Villa Boa de Goyaz, um dos primeiros nomes do município, está praticamente presente em todas as suas publicações.

“Beco da minha terra, amo tua paisagem triste, ausente e suja.”

Trecho de ‘Beco de Goiás’

A cidade é personificada em uma poesia que percorre suas lembranças, desde a infância, através dos cerca de 16 becos locais que formam uma espécie de artéria de ruas estreitas de pedras trazidas do Morro do Cantagalo.

Em suas obras, os becos são os próprios personagens. Tem o da escola, do seminário, da cachoeira e o da Vila Rica. Mas tem também os de “gentinha”, os “mal assombrados”, os “românticos” e os “pecaminosos”.

No dia 10 de abril, a programação discreta de eventos em homenagem a Cora Coralina terá visita ao túmulo da poetisa, palestras nas escolas da cidade, visitação guiada no museu para alunos da rede pública e uma missa no Santuário de Nossa Senhora do Rosário, às 19 horas.

Cidade de Goiás (foto: Eduardo Vessoni)

SAIBA MAIS

Museu Casa de Cora Coralina

Rua Dom Cândido, 20 – Centro / Cidade de Goiás

Tel.: (62) 3371-1990

museucoracoralina.com.br

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