Portugal e Espanha dão fim à polêmica da nacionalidade da 1ª volta ao mundo

A princípio, nem o próprio idealizador da viagem pretendia dar uma volta ao mundo.

Quando o explorador português Fernão de Magalhães pediu apoio à Coroa de Castela, na Espanha, sua intenção era estabelecer uma nova rota até as cobiçadas Ilhas das Especiarias, como eram conhecidas as Molucas, atualmente, na Indonésia.

Naquele distante 10 de agosto de 1519, a meta era encontrar alternativa à custosa rota às Índias pela África, dominada pelos portugueses.


Porém, nem o pai da ideia conseguiria completar aquela longa viagem onde os “ventos sopram com furor e as tempestades são muito frequentes”, nas palavras de Antonio Pigafetta, um dos tripulantes.

Morto em terra, durante a colonização das atuais Filipinas, nessa mesma viagem, Magalhães foi capturado em uma emboscada em Mactán, uma das ilhas da região, deixando o posto de liderança para o espanhol Juan Sebastián Elcano.

A empreitada seria finalizada no dia 6 de setembro de 1522, após 1.123 dias de viagem, quando 18 marinheiros sobreviventes, de um total de 237 homens que deixaram Sevilha numa manhã de segunda-feira, chegaram a Sanlúcar de Barrameda a bordo da Nau Victoria.

imagem: magalhaes500.pt/Reprodução

Sem saber, a primeira circum-navegação na Terra confirmaria a esfericidade do planeta e batizaria alguns endereços do continente como a Patagônia e o oceano Pacífico.

Por outro lado, até hoje a viagem é envolta em polêmicas.

Portugal ou Espanha?

Desde 2016, Portugal pretende ter a “Rota de Magalhães” inscrita como patrimônio cultural da Humanidade pela Unesco.

Na época, o projeto dispunha de 485 mil euros para dar início ao processo de candidatura na ONU. Porém, o governo espanhol chegou a pedir detalhes sobre a candidatura portuguesa que não fazia referências à Espanha.

imagem: Reprodução

A polêmica teria origem no fato de que, apesar de Magalhães ser português, a viagem foi financiada pelo rei espanhol Carlos I, após recusa de Dom Manuel I.

Com a negativa de Portugal, o explorador então propôs à Corte de Castela a realização da travessia até as Molucas por uma via ocidental diferente da oriental, como a dos portugueses.

Em troca, Magalhães prometia proporcionar ao espanhol as riquezas em especiarias encontradas nas ilhas, respeitando assim o acordo estipulado no Tratado de Tordesilhas que em 1494 dividira o mundo entre Portugal e Espanha.

Durante a viagem, há cinco séculos, esse seria um dos motivos das desconfianças por parte dos embarcados espanhóis que deram origem a motins que ameaçaram a travessia.

Nau Victoria em desenho feito pelo cartógrafo Abraham Ortelius (imagem: Domínio Público)

“Portugal distorce a história e apaga o Império Espanhol de todo o mundo”, sugeriu recentemente o título de uma matéria publicada no caderno de cultura do ABC.

No mesmo texto publicado por esse jornal espanhol, em 2019, seu autor criticava a iniciativa portuguesa sem propôr “um reconhecimento patrimonial conjunto que contemple tanto a Espanha como Portugal”.

No entanto, no início do último mês de setembro, os ministros dos negócios estrangeiros da República de Portugal e do Reino da Espanha assinaram em conjunto uma declaração que marcava 2022 como o ano de encerramento do ciclo comemorativo do V Centenário do fim da expedição naval “promovida pela Coroa de Espanha, comandada inicialmente pelo navegador português Fernão de Magalhães”.

“A primeira viagem de circum-navegação da Terra foi uma façanha conjunta luso-espanhola, que permitiu unir os cinco continentes por terra e por mar e consolidou uma rota marítima sem precedentes, que acelerou o intercâmbio de pessoas, bens, ideias e valores”, afirma o documento assinado em Sevilha, no último dia 8 de setembro de 2022.

Estreito de Magalhães (imagem: Wikimedia Commons)

A resolução do imbróglio sobre a nacionalidade da expedição de Magalhães-Elcano teria sido a decisão encontrada para que ambos países dessem continuidade ao processo de inscrever a circum-navegação no Registo da Memória do Mundo da UNESCO.

“A celebração do V Centenário permite-nos recordar este feito de transcendência universal e celebrar os estreitos laços humanos, históricos e culturais que unem Portugal e Espanha e que moldam a nossa forma de ser e de estar no mundo”, conclui o documento.

No início deste mês, autoridades espanholas realizaram em Sevilha um evento para celebrar não só os 500 anos do fim da viagem de circum-navegação como também a cooperação bilateral entre Portugal e Espanha.

No encontro, estiveram presentes o Ministro dos Negócios Estrangeiros ,João Gomes Cravinho; o Rei espanhol, Filipe VI, e José Marques, presidente da Estrutura de Missão para as Comemorações do V Centenário da Circum-navegação.

Desde maio de 2016, a “Rota de Magalhães” está na Lista Indicativa da UNESCO, um pré-requisito para a candidatura de Bens a Patrimônio Mundial.

COMO FOI A 1ª VOLTA AO MUNDO

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Na Terra do Verzino, como o Brasil era chamado pelos italianos por conta da madeira avermelhada, a esquadra entrou “em um porto”, em um meio-dia de sol intenso. Era o Rio de Janeiro, batizado pela tripulação como Santa Lúcia, em homenagem à santa católica daquele 13 de dezembro.

Diz a lenda que foi nessa viagem também que Magalhães batizou a Patagônia, em referência aos tehuelches que, segundo suas descrições, tinham os pés avantajados, ampliados pelas peles que serviam de calçado. Daí o nome “patagões”.

Para levar alguns exemplares daquela descoberta exótica, o capitão encheu-lhes de presentinhos até que não pudessem se defender da captura.

ocean water during yellow sunset
foto: Sascha Thiele / Pexels.com

De acordo com os relatos de Pigafetta, um deles, junto com um brasileiro também levado à força, morreria de escorbuto, mas não sem antes ajudar esse escrevinhador italiano a montar um pequeno dicionário de palavras da região, publicado ao final de seu livro.

A primeira volta ao mundo viu também o primeiro europeu navegar a passagem marítima que mais tarde levaria seu nome, o Estreito de Magalhães; e o“grande mar” ganhar seu atual nome: Pacífico.

Magalhães e seus homens seriam também os primeiros a transpor esse oceano, em 1520. Segundo Pigafetta, o nome era uma homenagem à calmaria durante os três meses de navegação no maior oceano do mundo.

E tudo isso a gente só ficaria sabendo por conta dos relatos escritos por Antonio Pigafetta, um jovem de 28 anos que registrava tudo enquanto a História ia acontecendo bem diante dos olhos.

Antonio Pigafetta (imagem: Domínio Público)

Conhecido também como Antonio Lombardo, Pigafetta foi para Espanha em 1518 e se tornou um grande amigo de Magalhães, que permitiria que o italiano acompanhasse a viagem sem objetivos específicos, apenas escrevendo o que via.

Embora seus diários originais tenham se perdido, seu “A 1ª viagem ao redor do mundo – o diário da expedição de Fernão de Magalhães” (editora L&PM) é um dos documentos mais precisos da viagem, com impressões que vão da biologia à etnografia.

Reescrito pelo próprio Pigafetta, a partir de suas lembranças, anos mais tarde, seu relato é até hoje a base para tudo o que já foi publicado sobre a empreitada e chegou ao Brasil por caminhos tão sinuosos quanto àquela viagem.

Em plena ditadura sul-americana, a Feira de Frankfurt reunia nomes como Eduardo Galeano e Gabriel García Márquez, para quem o livro de Pigafetta era um dos mais geniais que havia lido (Gabo voltaria a citá-lo ao receber o Nobel, em 1982).

A referência então inspiraria Ivan Pinheiro Machado a criar com o jornalista Eduardo Bueno uma coleção de “textos excêntricos e primários”, incluindo diários de Marco Polo e Cristóvão Colombo.

“Era uma busca pelas nossas origens, inspirada no aventuresco daquelas viagens”, explica Machado, um dos fundadores da editora gaúcha L&PM.

Pela conclusão da viagem, o basco Elcano recebeu de Carlos I uma pensão vitalícia de 500 ducados de ouro e um escudo em latim: Primus circumdedisti me (“foste o 1º que a volta me deu”).


Animação da Disney

A viagem iniciada por Fernão de Magalhães parece até coisa de cinema.

E se não era, agora é.

“Elcano e Magalhães: a 1ª volta ao mundo” é um dos títulos recentes da plataforma Disney+, uma produção em espanhol que recria a viagem que começou na Espanha, em 1519, e só terminou três anos depois.

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Entre os destaques estão a “descoberta” de três ícones naturais da América do Sul, por onde a expedição encontrou a rota “sempre ao oeste” em direção à Ásia.

Um deles foi o Estreito de Magalhães, passagem no extremo sul do continente, entre a Patagônia e o oceano Pacífico, que aliás também recebeu esse nome nessa mesma viagem por conta das águas calmas que aqueles homens encontraram durante a travessia.

SAIBA MAIS: “1ª volta ao mundo ganha animação da Disney”

19 Comentários

  1. E a América Latina até hoje é obrigada a pagar pesados empréstimos para sobreviver, após ser saqueada,destruída, massacrada desde a ” descoberta “, até hoje.
    A sua população foi e é aniquilada por ser diferente do modelo ocidental, desde a desastrosa, desumana e genocida invasão dos países europeus.
    E nós ainda temos que pagar????‽?

  2. Sempre é fascinante ler as páginas amareladas da história e perceber o quanto somos apesar de precários realizadores de acontecimentos surpreendentemente da história; Magalhães é Elcano é todos A bordo “valeu” vocês foram os primeiros terronautas.

  3. A aventura em volta do mundo feita p magalhães e Elcano só pod ser comparada a conquista de Marte que vai acontecer nos próxs 20 anos e esta serar menos mortal q àquela onde + de 260 homens morreram e 18 retirnaram.

  4. A comemoração deveria ser de cinco países! Tanto a Itália de Pigafetta, sem o qual a história não teria memória, passando pelo Brasil, pois o carioca, filho do português João Carvalho embarcou no Rio de Janeiro e foi até a região da Ásia,onde seu pai deixou ele, aos sete anos, abandonado e morto na mão de asiáticos ofendidos pelos tripulantes do navio; e por fim a Argentina pois um ou dois fueguinos(moradores da Patagônia)foram sequestrados e obrigados a seguir viagem com os marinheiros. Assim as comemorações fariam jus a todos que de alguma forma participaram da epopéia.

  5. Este feito atinge nos dias de hoje uma importância ainda maior. Tal como hoje nessa altura a Europa e outras potencias da altura estavam mergulhadas para si mesmas, em guerras medievais (apesar de já existirem nessa altura grandes potências), mas onde estavam essas potências enquanto Portugal e Espanha, davam-se ao luxo de dividir o mundo. Tal como nesse tempo, hoje era importante que essas grandes potencias olhassem para esses feitos e tivessem a coragem desses homens e partissem para outra epopeia , mas desta vez por ceus nunca antes explorados, chegar aos planetas que já sabemos que existem através dos excelentes telescópios que dispomos e as potencias que tivessem essa ousadia podiam aceder a novos recursos ou conquistar planetas inteiros, mas infelizmente o que vemos, é, as potências com potencial para tal, continuam mergulhadas tal como a 500 anos na era medieval na disputa de pequenas parcelas de território. Este sentido os feitos dos Portugueses e dos Espanhóis, atingem uma dimensão ainda maior e de grande lição ao Mundo, haja coragem de olhar mais longe e mais alto e deixar de desperdiçar os recursos do planeta já escassos em guerras estúpidas.
    Quem não aprende nada com a história só pode ser ignorante ou completamente estúpido e igual a ele é quem os acompanha.

  6. A primeira circo navegação é um feito de espanhóis e portugueses que retrata a importância dos ibéricos na grande aventura humana que foi a o período das grandes navegações e descobrimento de novas terras.

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