Hans Staden: o alemão que o Brasil quase comeu

Que me perdoem o trocadilho antropofágico, mas ler os relatos das viagens de Hans Staden no Brasil é, no mínimo, delicioso.

Depois de encarar naufrágios em Santa Catarina e Itanhaém (SP), em 1550, esse viajante alemão foi feito refém pelos Tupinambá, indígenas brasileiros conhecidos pelos rituais em que os capturados eram comidos.

O perrengue canibal aconteceu na região de Ubatuba, no litoral norte de São Paulo, um ano antes de Hans Staden ter tentado ir para a Índia. Mas sua sina era mesmo escrever sua história em terras brasileiras.

imagem: Domínio Publico

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Sua passagem pelo Brasil incluiria também Cabo de Santo Agostinho e Olinda, ambos municípios em Pernambuco, e um ataque a um navio francês na Paraíba.

A bordo de uma frota espanhola que pretendia ocupar novas terras no Rio da Prata, o alemão de Homberg viajou por seis meses em um mar “grande e muito extenso” e visitou destinos bem conhecidos do brasileiro.

Hans Staden passou por Superagui, no Paraná, e pela ilha de Santa Catarina, “onde o grande navio afundou” e a tripulação ficou perdida, antes de seguir em uma pequena embarcação até São Vicente, na atual Região Metropolitana da Baixada Santista.

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Superagui, no Paraná (foto: Eduardo Vessoni)

“Ficamos dois anos na selva e sobrepujamos muitos perigos. Passamos muita fome, tivemos de comer lagartos e ratos de campo”, lembra Hans Staden, em seus escritos.

Em seu “Duas viagens ao Brasil”, publicado no Brasil pela L&PM, o alemão descreveu em detalhes locais como Ubatuba, Alcatrazes, arquipélago próximo a São Sebastião, e a Ilha de Santo Amaro, onde fica o atual Guarujá.

Após outro naufrágio próximo à aldeia portuguesa de Itanhaém, no litoral paulista, Hans Staden recebeu abrigo e um trabalho no forte de Bertioga, construção erguida pelos portugueses, aliados dos Tupiniquins, contra investidas dos inimigos Tupinambá que vinham do norte.

Porém, ao sair em busca de alimento, o estrangeiro foi cercado pelos “selvagens”, que lhe atiraram flechas, deram golpes de lança e o deixaram nu.


“Lá vem a nossa comida pulando”

Nos noves meses seguintes, Hans Staden seria ameaçado de ser comido, quase que diariamente.

“Mordiam-se nos braços para fazer-me entender de forma ameaçadora que iriam me comer”, descreve o alemão que, apesar de ter dito que era amigo dos franceses, aliados dos Tupinambá, foi confundido com um inimigo português.

Mas as ameaças não paravam por aí.

crédito: L&PM/Divulgação

Os indígenas entoaram canções para mostrar suas intenções de devorar o estrangeiro, arrancaram seus cabelos e sobrancelhas, e dançaram ao seu redor, sob efeito de cauim, bebida alcoólica feita de milho usada nos rituais antropofágicos.

E toda vez que o alemão questionava se não seria logo devorado, alguém dizia: “Ainda não”.

Na aldeia vizinha do chefe Cunhambebe, Hans Staden, cujas pernas foram amarradas, teve que entrar aos pulos sob os gritos de “lá vem a nossa comida pulando”.

crédito: L&PM/Divulgação

Nos meses seguintes, Tupiniquins, portugueses e franceses até tentaram resgatar o prisioneiro, sem sucesso, mas o excesso de fé dos Tupinambá e as mentiras criadas pelo alemão lhe davam sobrevida e adiavam o seu fim.

Problemas como chuvas devastadoras e a morte de índios por doenças trazidas pelos europeus eram atribuídos à ira do deus católico pelo sequestro do estrangeiro. Presenteado ao chefe de outra aldeia, Hans Staden foi resgatado por um navio francês sem nenhuma resistência dos “selvagens”.


O livro de Hans Staden

Essa e outras histórias de Hans Staden no Brasil estão no delicioso “Duas viagens ao Brasil” (L&PM Editores), considerado os primeiros registros sobre o Brasil e best seller desde que foi publicado na Europa, em 1557.

Assim como lembra Eduardo Bueno, jornalista que assina a introdução do livro na edição brasileira, Hans Staden inspirou a arte modernista de Oswald de Andrade, em seu ‘Movimento Antropofágico’, o quadro ‘Abaporu’ de Tarsila do Amaral, e Cândido Portinari, na série “Portinari Devora Hans Staden”, com 26 desenhos feitos com nanquim bico de pena.

Série “Portinari Devora Hans Staden”, de Cândido Portinari (crédito: Portal Portinari/Reprodução)

O alemão é considerado também um grande contribuidor para a divulgação das primeiras imagens do Brasil, que no livro “Duas viagens ao Brasil” aparecem em forma de xilogravuras.

E se tudo isso, ainda parecer exagerado, o próprio alemão recomenda:

“Se houver um jovem homem para quem minha descrição e essas testemunhas não bastarem, então que empreenda ele mesmo com a ajuda de Deus esta viagem e as suas dúvidas se desvanecerão. Amém”.

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4 Comentários

  1. A verdadeira história não está aqui contada. Hans Staden não foi comido porque chorava COPIOSAMENTE no momento em que o ritual de seu sacrifício começava. Os indígenas, que acreditavam em que a autofagia era a forma de adquirir as habilidades de seus inimigos, começaram a questionar se deveriam comê-lo por ser um BAITA MEDROSO e isso poderia fazer com que indígenas pudessem adquirir essa “habilidade” se o comessem. Assim, começaram a deixá-lo de lado nos rituais até que foi trocado por Nóbrega e Anchieta, numa negociação entre portugueses e os tupinambás, que eram muito ardilosos. Por isso o alemão chorão sobreviveu. O resto é história tentando valorizar o invasor europeu – que era, na verdade, um b@st@! Em suma: Hans Staden, era apenas um europeu chorão, cov@arde: esta é a história verdadeira! Contem o fato; não inventem história!

    • Edgard, aqui no site, não inventamos histórias. Esses relatos são baseados nas leituras feitas para esta matéria.
      Aliás, fiquei curioso em ler mais sobre esse Hans Staden “chorão”. Você poderia me passar as fontes, por favor?
      Abraços e seja sempre bem vindo por aqui.

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