Chegar num abrigo de montanha, a 2.350 metros de altitude, já valeria a viagem até o Pico das Agulhas Negras.
Mas para ver aquele jardim de rochas que brotam do chão, no Parque Nacional do Itatiaia, você vai ter que chinelar (de preferência, com botas antiderrapantes nos pés e com o medo de altura bem guardado na mochila de ataque).
A trilha é uma das mais cênicas do Brasil e dá acesso ao quinto ponto mais alto do país, uma elevação a 2.791 metros de altitude, na tríplice fronteira entre Itamonte (MG), Queluz (SP) e Resende (RJ).
“Bateu ansiedade e um friozinho na barriga porque eu tinha noção do quanto seria especial superar todos os obstáculos e chegar no topo”, conta a educadora física Juliana Simões (@vemmochilar), que esteve recentemente no local.
Apesar da contratação de guia não ser obrigatória, conhecimentos básicos de escalada em rocha e uso de equipamentos de segurança são fundamentais, numa área de resgates complexos ou até mesmo impossíveis.
O resto é por sua conta e risco. E foi o que essa paulistana decidiu encarar.
Pico das Agulhas Negras
Em 2021, ela esteve pela primeira vez no Parque Nacional do Itatiaia para subir dois dos dez picos mais altos do Brasil, o Morro do Couto (2.680 metros de altitude) e a Pedra do Sino (2.670m), outras opções de trilhas de nível exigente e com quase 10 quilômetros de extensão cada uma.
Mas as montanhas sempre chamam. E Juliana, que nunca recusa um perrengue ao ar livre, queria ir além.
“Eu não sabia o que era o Pico das Agulhas Negras, mas via as pessoas subindo com umas roupas bem coloridas e achei aquilo incrível. É uma imensidão sem fim e ficava me perguntando como elas iam conseguir chegar lá em cima”, lembra, em depoimento para o Viagem em Pauta.
Para ver de perto o que era aquilo, três anos mais tarde, Juliana teve que andar (e muito), fazer rapel, caminhar se arrastando e escalar rampas naturais com o auxílio de cordas, em meio a uma confusão de rochas que parecem flutuar sobre vales suspensos.
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Apesar da complexidade da experiência e de ter pensado até em desistir, ela confessa que não teve preparação prévia específica, além dos seus já frequentes treinos com exercícios aeróbicos e de fortalecimento.
“Não é uma trilha para qualquer um. É de nível pesado e se caminha todo o tempo sobre rochas”, avisa.
Já o trecho final de ataque ao cume é como percorrer os veios da Terra, em direção àquelas torres rasgadas por canaletas naturais, como são chamados os sulcos verticais tão característicos do maciço.
É fascínio e medo, ao mesmo tempo.
“O medo existe e, em vários momentos, temi cair nas fendas. Já a volta pode ter trechos escorregadios e a gente costuma andar agachado, durante todo o tempo”, descreve.
Para alimentar a fome de conquistar outros picos icônicos do Brasil, durante alguns trechos da caminhada no Itatiaia, dá para avistar também a vizinha Pedra da Mina, na exigente Trilha da Serra Fina, entre São Paulo e Minas Gerais.
Juliana compara o potencial cênico e o grau de dificuldade no Pico das Agulhas Negras a outras duas caminhadas únicas no Sudeste brasileiro: o Pico do Papagaio, o segundo ponto mais alto de Ilha Grande, em Angra dos Reis (RJ), e o circuito de três trilhas, em São Bento do Sapucaí (SP).
Para os iniciantes, a educadora indica a cachoeira Casca d’Anta, “uma trilha super fácil”, na Serra da Canastra (MG), e o complexo Rei do Prata, na Chapada dos Veadeiros (GO), “uma caminhada moderada com um visual muito bonito”.
TRILHA NA PEDRA DO BAÚ (SP)
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REI DO PRATA (GO)
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Além do Pico das Agulhas Negras: os 5 mais altos do Brasil
PICO | ALTITUDE | LOCALIZAÇÃO |
1. da Neblina | 2.995m | Serra do Imeri/Amazonas |
2. 31 de Março | 2.974m | Amazonas (Brasil/Venezuela) |
3. da Bandeira | 2.891m | Serra do Caparaó (MG/ES) |
4. Pedra da Mina | 2.798m | Serra Fina (SP/MG) |
5. Agulhas Negras | 2.791m | Serra de Itatiaia (RJ/MG) |
Prepara e vai
Apesar das bifurcações bem sinalizadas e dos trechos equipados com pontes rústicas de madeira, o Pico das Agulhas Negras exige planejamento.
A trilha começa no Abrigo Rebouças, cujo nome é uma homenagem a André Rebouças, um dos pioneiros que tentou conquistar o cume, sem sucesso, em 1878. É ali que o visitante precisa se registrar e indicar qual caminho deverá seguir, entre as cerca de 17 vias de escalada no maciço.
Equipado com sanitários e água potável, o abrigo foi usado por Juliana para aquecimento com alongamentos e exercícios de mobilidade articular (trabalho muscular em mais de uma articulação).
“O percurso em si não é tão extenso, mas a subida é pesada e inclinada. Confesso que pensei em desistir várias vezes, sobretudo por conta das fendas que eu tinha que pular ou ter que subir em quatro apoios”, descreve.
Um dos mais tensos, ainda segundo a educadora, foi quando teve que puxar uma corda instalada pelo próprio guia para fazer a primeira subida em uma plataforma, apoiando os pés numa rocha.
“Nesse momento, também fiquei bem preocupada e pensei em desistir”, diz.
Mas ela não desistiu. E ainda levou para casa a memória de um dos cenários mais exclusivos da região.
“Chegar ao pico [das Agulhas Negras] é uma sensação imensa de alegria e superação”, comemora.
Ao todo, entre ida e volta, são cinco quilômetros de extensão, geralmente, percorridos em cerca de três horas; e a descida, mais técnica, 3h30, aproximadamente. Para quem vai só até a base das Agulhas Negras, porém, a trilha de 1.700 metros costuma ser feita em 45 minutos.
Comece cedo, pois o limite no pico é 14:00 e, após esse horário, o visitante deve retornar de onde estiver.
Juliana, que começou a trilha sem sol e sob uma temperatura de 10 °C, diz que não é necessário nenhuma roupa especial, desde que seja confortável e em três camadas, sobretudo por conta da variação de temperatura, ao longo da trilha.
Por isso, vista-se com uma camada mais fina para eliminação do suor, outra para aquecer o corpo e uma terceira para se proteger do vento e da umidade, como uma jaqueta corta-vento, por exemplo.
A educadora física lembra ainda que, além de lanche de trilha, água e saco plástico para trazer seu lixo de volta, é preciso que a mochila de ataque tenha um espaço livre para seu equipamento individual de segurança, como capacete e cadeirinha de escalada, itens obrigatórios para subir até o pico.
Por ser uma trilha sobre terreno irregular, considere usar bastão de caminhada e calçado de solado com boa aderência.
“É importante levar também uma troca de roupa, sobretudo da parte de baixo porque, dependendo do esforço, a roupa pode rasgar [ou ficar molhada]”, recomenda Juliana.
Nunca é demais avisar, mas os caminhantes devem levar ainda chapéu ou boné, óculos de sol e protetores corporal e labial.
Os meses mais frios, entre o outono e o inverno, são os mais indicados para subir o Agulhas Negras, quando chove menos sobre os já escorregadios trechos rochosos da trilha. Ainda assim, a própria administração do parque avisa que o acesso é normal, mesmo em dias chuvosos, exceto em casos de tempestade, raios e trovões.
E para provar que você esteve num dos pontos mais altos do Brasil, o local guarda uma caixa com o Livro de Cume, um caderninho azul onde é feito o registro da ascensão.
“É como um troféu para a pessoa que conseguiu cumprir o desafio e chegar ao topo”, descreve Juliana sobre a experiência de chegar ao pico, a uma temperatura de 14 ºC.
Mas tudo o que subiu, precisa descer de volta. E o melhor da brincadeira ainda estava por vir.
“A subida foi difícil, mas a descida foi pior porque precisei andar em quatro apoios com a barriga para cima. A palma da mão doía muito e eu não estava com luvas”, lembra.
Juliana recorda também que o retorno pelas canaletas das rochas foi bem mais técnico e escorregadio do que a subida. Mas, pelo que viu, todos os esforços parecem ter valido a pena. “Enquanto descia e olhava para trás, eu só lembrava da sensação de ter conseguido chegar. E ter descido também.”
“As imagens não traduzem o quanto o Agulhas Negras é alto, imponente e bonito.”
Juliana Simões – educadora física
Parque Nacional do Itatiaia
Localizado na Serra da Mantiqueira, o primeiro parque nacional do Brasil fica na tríplice fronteira entre Itamonte (MG), Queluz (SP) e Resende (RJ).
Essa unidade de conservação, criada em 1937, é dividida em Parte Baixa e Parte Alta. E para cada perfil de visitante tem um Itatiaia diferente.
A primeira é conhecida por seus cursos d’água que formam cachoeiras acessadas por trilhas de baixo grau de dificuldade, como as piscinas naturais do Complexo do Maromba, a quatro quilômetros do Centro de Visitantes, e a Cachoeira Véu da Noiva, considerada uma das mais bonitas do parque.
Já na Parte Alta fica a versão invocada do Itatiaia, endereço de trilhas mais complexas, como a da Chapada da Lua (dois quilômetros até as formações rochosas de aspecto lunar) e o impactante Maciço das Prateleiras, uma caminhada de 2,5 quilômetros do Abrigo Rebouças até sua base.
A Parte Baixa pode ser visitada de terça a domingo, das 8h às 17h, com permanência nas cachoeiras até às 16h. Já o acesso aos pontos mais elevados do parque é diário, das 7h às 18h.
Os ingressos custam entre R$ 42 (inteira) e R$ 168 (combo de quatro dias na Parte Alta com uma atividade pré-selecionada para cada um deles).
Não é permitido realizar atividades noturnas no parque, exceto nas áreas disponíveis para camping (R$ 60), com vagas para 20 barracas, e no Abrigo Rebouças, hospedagem coletiva (R$ 60) com vagas para até 20 pessoas, com fogão e banho frio.
COMO CHEGAR
Para fazer a Trilha do Pico das Agulhas Negras, a paulistana Juliana Simões seguiu pela rodovia Presidente Dutra, sentido Rio de Janeiro, até o distrito de Engenheiro Passos, a 12 quilômetros de Itatiaia.
Dali, é preciso seguir por 26 quilômetros da estrada Rio-Caxambú até o passo conhecido como Garganta do Registro. A viagem continua por mais 14 quilômetros até o Posto Marcão e outros três até o Abrigo Rebouças, por estrada de terra.
Parte Baixa
Estrada do Parque Nacional, km 9 Itatiaia/RJ
Parte Alta
Rodovia BR 485 km 13,4 (Posto Marcão) – Divisa MG/RJ
SAIBA MAIS: pnitatiaia.com.br
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