O mundo inteiro cabe no Brasil, e a fama sempre fica com o que vem lá de fora.
O mar verdinho é nosso, mas dizem que é o Caribe brasileiro.
Nem a Amazônia, tão única com seus endemismos, escapou de ganhar uma versão caribenha em campanhas publicitárias que comparam, equivocadamente, as cores das águas das praias de rio com as do mar das Antilhas. Daí Caribe brasileiro, em plenas águas escuras de rio.
Nesse Brasil imaginado tem também as versões nacionais da Suíça, da Holanda, de Paris, da Broadway, da Jamaica e de Atenas.
Aliás, essa última tem até uma versão no Centro-Oeste. A Atenas brasileira fica no centro do país, bem do lado do próprio ego.
Para convencer o brasileiro que vale a pena fazer turismo no seu país, parece sempre necessário recorrer às imagens de lá para validar as opções turísticas daqui.
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O turista brasileiro e o milagre do descobrimento
Durante anos de economia favorável, especialistas (?) no tema lambuzaram-se na cidade-cassino, fizeram textinho pé na areia para descrever praia que fica a três ou quatro fusos daqui e empunharam sacolas lotadas em destinos livres de imposto.
Daí veio a pandemia, as fronteiras do mundo foram fechadas e o milagre do descobrimento do Brasil aconteceu.
Quem costumava dar o país no canto inferior das páginas de publicações especializadas ou em Stories bombados passou a descrever o país como se acabasse de desembarcar da nau de Pero Vaz de Caminha, dizendo “todos nus, sem nenhuma coisa que lhes cobrisse suas vergonhas”.
Tapou buraco com viagens bate e volta e, como se fizesse favor ao turismo brasileiro, estampou o país na capa ou em qualquer outro destaque que fosse.
Com toda a admiração e respeito que tenho pela insistência de veículos que seguem fazendo jornalismo impresso em terras tão iletradas, mas há quase duas décadas venho me perguntando se o Brasil não merece mesmo ser destaque.
Mês sim, mês não, já estava de bom tamanho. Do tamanho do Brasil.
Será mesmo que não tem nenhuma florestinha brasileira para meter na capa? Uma caverna sequer ou um mar turquesa para ser o destaque do mês? Sem falar dos pampas, dos pantanais, das caatingas e do cerrado que, de desgosto, está morrendo.
E os parcos seis milhões de visitantes estrangeiros no Brasil, anualmente, não saem do lugar. Se nem o brasileiro tem amor próprio, dirá o gringo.
Aliás, sobre essa discussão, recomendo o excelente texto “Por que o Brasil atrai tão poucos turistas?”, em que a autora nos esfrega na cara números, aspas e muita pesquisa para mostrar por que o turismo no Brasil não decola.
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Complexo de vira-lata do turista brasileiro
O termo foi criado pelo escritor Nelson Rodrigues para se referir a um fato exclusivamente do mundo do futebol, nos anos 1950. Mas sete décadas depois, o grau de inferioridade do brasileiro em relação ao resto do mundo parece ter mudado pouco.
“É como cuspir na própria imagem”, como explicou o dramaturgo na época, para quem “o brasileiro é um narciso às avessas”.
O problema é antigo. Nem o Nelson tinha nascido ainda.
Como em um eterno looping de discursos do passado, o Brasil sempre esteve de costas para si mesmo, desde tempos coloniais. Marcado por uma tradição eurocêntrica, e posteriormente voltada para os Estados Unidos, o país sempre viu com melhores olhos aquilo que vem do além-mar.
Não quero cuspir na bandeja de nenhum avião que me levou para lugares fascinantes no mundo, mas não adianta recorrer à fitinha do Senhor do Bonfim ou sair por aí repetindo “vamos descobrir o Brasil” se o turista brasileiro ainda não se despiu da sua fantasia de cachorro vira-lata.
Nem que seja para, 84 milhões de turistas estrangeiros depois, a gente sair na rua empunhando placas do tipo ‘Turistas, fora daqui’.
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