“Pigalle” poderia ser mais um daqueles livros em que o autor se estende em textos egoicos sobre experiências pessoais em algum CEP do mundo.
Mas o segundo livro do roteirista e cineasta André Bushtsky não é sobre “chegar”, muito menos “estar” na região turística de Paris que dá nome à obra. Pigalle, o bairro, é o ponto de partida para as 50 crônicas que abordam os mais variados temas.
Entre textos curtos e deliciosas divagações viageiras, o autor vai da trilha sonora para piqueniques ao dia em que Pedro perdeu um… planeta.
É literatura fácil, breve e cinematográfica, daquela que harmoniza bem com esperas em salas de embarque, voos de longa duração ou no sofá mesmo.
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Como tão bem descreve o prefácio de Guilheme Vasconcelos, “Pigalle” (editora Alta Books) é um caderno de viagem que olha o banal e os acontecimentos que pipocam nas varandas vizinhas.
“Não é um livro de dicas de Pigalle. São, no máximo, identificações que tive com o bairro. É uma viagem pessoal de alguém que saiu do Brasil e foi morar num bairro boêmio de Paris”, descreve Bushtsky, em entrevista por telefone para o Viagem em Pauta.
O autor até teve o bairro como inspiração, como no texto em que dá dicas para o leitor reconhecer uma boa padaria francesa, mas seu “Pigalle” é sobre o mundo, sobretudo aquele que paralisou, em 2020.
Três semanas após desembarcar em Paris, onde a esposa trabalharia como advogada, a pandemia de coronavírus foi anunciada “e de repente o mundo fechou”. Ao profissional das artes visuais (e presenciais) restaram-lhe as letras.
“Pigalle se tornou um bairro do meu coração porque passei muita coisa lá, como uma pandemia. Fiz também amigos e fiquei encantado como é um bairro completo”, conta Bushtsky, em referência à variedade de museus, parques, galerias, bares e restaurantes.
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Seus textos são frutos de uma viagem presente-passado, em que uma vista à livraria Shakespeare and Company termina com as lembranças de um avô que Bushtsky sequer conheceu. Aliás, essa livraria, uma das mais populares da cidade, foi um dos cenários do filme “Meia-Noite em Paris”, outra inspiração para “Pigalle”.
“É um filme fantástico que já revi várias vezes. É a chance de viajar no tempo e encontrar vários personagens que também cito no livro, como [o pintor Pablo] Picasso, [o escritor Ernest] Hemingway e [o cinesta François] Truffaut, e todas as pessoas que ajudaram a criar a atmosfera cultural parisiense”, compara.
É impossível deixar de notar também o diálogo que o livro faz entre a literatura e o cinema, cuja estrutura tem fôlego para ser roteiro.
“Acho que eu até consigo desligar da ideia do roteiro, mas não é 100%. É um livro muito visual e o leitor acaba imaginando aquelas situações”, finaliza.
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Um dos destaques é a seção Pigalleando, um respiro, uma espécie de intervalo comercial entre uma crônica e outra, onde Bushtsky traz pílulas de Paris em textos ainda mais curtos.
“Foi um momento de botar mais informação, mas bem mais descontraída, para criar uma fluidez no livro. Eram coisas que eu espiava na mesa ao lado”, explica o autor.
Pigalleando
Fila: um bom jeito de saber se o restaurante ou a boulangerie é boa.
(trecho de “Pigalle”)
André Bushtsky
Esse paulistano dirigiu longas como “A História do Homem Henry Sobel” e “Brasileiríssima”, documentário que aborda os impactos social e cultural das telenovelas.
Como roteirista, Bushtsky trabalhou em produções como “Peixonauta” (Discovery Kids) e a websérie “Mãe, Manhẽ”.
Já sua carreira como escritor começou em 2020 com a obra “Moridea” (Editora Patuá), que o próprio autor define como um “realismo fantástico sobre a morte da ideia no interior do Brasil”.
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