As viagens da (Santa) Glória Maria

Toda vez que uma viagem a trabalho contemplava alguma atividade radical, meu marido sempre tentava (repito, tentava) me acalmar:

– Fecha os olhos e encarna a Glória Maria.

(Santa) Glória Maria do bungee jump, das travessias dos balões e dos… cigarrinhos rastafáris.

Glória Maria na Noruega (foto: Globo/Divulgação)

Não é fácil (d)escrever a biografia dessa jornalista intensa, morta neste dois de Iemanjá de fevereiro, aos 73 anos.

Peitou o racismo para ser a primeira repórter negra da televisão brasileira; cobriu a Guerra da Malvinas, nos distantes (e masculinos) anos 80; e, com quase 60 anos, adotou duas filhas, considerada sua maior viagem.

– É uma viagem incomparável. Você para de viver para si e passa a viver para o outro, confessou em uma de suas entrevistas.

Mas, tentar acompanhar seu currículo viageiro, tampouco pouco é tarefa para amadores.

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O número de países visitados por Glória Maria era um mistério, tal qual aquele que rondava a sua verdadeira idade. Pelas contas que circulam por aí, uns dizem que foram mais de 160, outros, quase 200, além de algumas dezenas de passaportes renovados.

E para cada viagem, sempre tinha um meme.

Diante de uma novidade (quase sempre arriscada), a gente ficava só esperando a hora dela desistir. Mas ela nunca desistia.

Glória Maria, instantes antes de saltar de bungee jump, em Macau (foto: Glopoblay/Reprodução)

Para saltar da torre mais alta de Macau, uma estrutura de 233 metros de altura, é preciso assinar um termo em que o participante assume a responsabilidade pelos riscos da atividade.

E Glória, que já assumiu riscos muito maiores na vida, respondeu:

– Tudo bem.

Era assim que essa carioca de Vila Isabel, no Rio de Janeiro, encarava os desafios que a vida ia impondo.

– Recusar, nem pensar. Seria um desrespeito, explicou, depois da famosa (e hilária) experiência em um ritual com o povo rastafári, na Jamaica.

Glória Maria em ritual na Jamaica (foto: Reprodução)

Glória era assim mesmo.

Era medrosa, mas encarou um dos maiores bungee jumps do mundo; não sabia nadar, mas mergulhava (não que isso fosse impeditivo para submergir com um cilindro).

Competente e de olhos curiosos, não deixava passar uma.

Respeitosa e insistente, acreditava que precisava tempo para entender as novidades que, aliás, na Jamaica, ela levou 10 horas para voltar a si.

Mas, dessa vez, Glória, que sempre voltava, fez sua última viagem.

As viagens de Gloria Maria

A PRIMEIRA VEZ
Como ela mesma já declarou, sua primeira viagem a trabalho foi em 1977, para cobrir a posse do presidente Jimmy Carter, nos Estados Unidos.

– De lá para cá não, parei de viajar, conta a jornalista.

Apesar da experiência em bancadas de programas como ‘Jornal Hoje’ e ‘Fantástico’, a jornalista era mesmo do mundo. Assim, cobriu também momentos históricos como a Guerra das Malvinas, em 1982, os Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996, e a Copa do Mundo da França de 1998.

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Glória Maria na cobertura da posse do presidente Jimmy Carter, nos EUA, em 1977 (foto: Reprodução)

A OUTRA PRIMEIRA VEZ
Outra estreia da já experiente repórter foi a viagem para o Alto Xingu, em 2007, para participar da primeira transmissão em HD da televisão brasileira.

Mas aquilo era só o começo.

Exceto se você esteve em outro planeta, nos últimos anos, não tem quem não conheça o famoso (e hilário) episódio em que a jornalista esteve no berço do movimento Rastafári, em uma das mais tradicionais comunidades da Jamaica.

Foi nessa ilha do Caribe que Glória participou de um ritual de ganja.

A repórter deu umas três baforadas mais longas no cachimbo e, já com os olhinhos bem arregalados, bateu as duas mãos como quem não sabia do que se tratava e declarou:

– Uau.

Nessa mesma viagem, Glória entrevistou também o velocista jamaicano Usain Bolt,

Travessia de balão
E, se no chão Glória já temia a instabilidade, o que dizer sobre atravessar uma tábua de madeira, pouco maior que um palmo da mão, entre um balão e outro, a 1.500 metros de altura, em 2001.

Quando a produção anunciou que seria uma travessia de balão, em Piracicaba (SP), Glória aceitou porque achava que seria apenas um passeio.

– Eu não sabia que seria uma travessia de um para o outro. Com certeza, foi a coisa mais difícil que eu já fiz na minha vida, contou em depoimento, no programa do Faustão.

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Glória Maria atravessando balões, em Piracicaba (foto: Reprodução)

Noruega
– Mamãe, mamãe, gritou, fina com seu maiô azulado, antes de entrar na água.

O rápido mergulho num congelante lago norueguês foi apenas uma das experiências que Glória encarou no país, em plena temporada do rigoroso inverno escandinavo.

– Os noruegueses dizem que não existe frio excessivo, mas sim uma roupa errada, contou Glória.

– É horrível, mas ao mesmo tempo é bom!, concluiu, já enrolada na toalha.

Santa Gloria Maria.

Glória Maria na Noruega (foto: Globo/Divulgação)

Macau
Em 2017, Glória encarou uma queda livre de 233 metros na torre mais alta de Macau, região autônoma da China.

A atividade é considerada um dos maiores bungee jumps do mundo, o equivalente a um salto de um prédio de 78 andares.

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Glória Maria em Bungee Jump, em Macau (foto: Glopoblay/Reprodução)

Ano sabático
Em 2007, depois de dez anos no ‘Fantástico’, ao lado de Pedro Bial, deixou a TV para dois anos de um sabático.

Mas como ela mesmo contou no programa ‘Que História É Essa, Porchat?’, “descansar, para mim, é viajar, se eu ficar parada, eu morro”.

Foi nesse período que escalou o Himalaia, onde andou por oito dias seguidos, visitou a Índia e, após 11 meses de trabalho voluntário em um orfanato na Bahia, decidiu adotar suas duas filhas, Laura e Maria.

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* Com informações da Globo e do Globoplay

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