Com a Família Schurmann a bordo de um veleiro do Brasil até a China

Tem gente que planifica a vida para ganhar dinheiro, subir na carreira ou adquirir bens. Mas a Família Schurmann acumula milhas. Náuticas.

Após cinco anos de planejamento, a Família Schurmann foi de Itajaí (SC) a China, em uma viagem marítima que passou por 29 países, 50 portos e 5 continentes. Velejaram em uma “casquinha de noz” para concretizar um “sonho louco de navegar pelo mundo” pela terceira vez.


No livro “Expedição Oriente” (ed. Record), lançado no ano passado, Heloísa Schurmann relembra essa viagem ousada até a Ásia, inspirada nas viagens de Zhen He que, no início do século 15, viajou parte do mundo em missões diplomáticas e de intercâmbio cultural.

Segundo algumas teorias, o explorador chinês teria chegado às Américas, algumas décadas ante de Cristóvão Colombo.

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No ritmo do vento

Em tempos de pandemia, Heloísa Schurmann faz seu isolamento social na casa do filho David, em São Paulo. Já o marido Vilfredo, que voltou recentemente de uma quarentena de quatro meses nas Ilhas Falklands/Malvinas, está de volta ao Brasil, mas agora em Santa Catarina.

Mas sempre sobra tempo para lembrar uma das viagens mais significativas dos Schurmann, relatada com intensidade no livro “Expedição Oriente” (ed. Record)

Nessa viagem de dois anos e três meses, a família resgatou uma baleia-sei encalhada nos fiordes chilenos, se emocionou com orangotangos em Bornéu, fez água para moradores de uma ilha da Papua-Nova Guiné e cantou “atirei o pau no gato” com um grupo de crianças na Polinésia Francesa.

Família Schurmann na primeira volta ao mundo, em 1984 (foto: Divulgação)

“Nunca imaginei que minha vida seria regida pelos ventos. Quando comecei a velejar, em 1975, não pensava que esse elemento da natureza fosse tomar conta da minha vida dessa maneira”, descreve a matriarca.

Com Heloísa Schurmann no comando, o leitor não vê apenas um relato, mas veleja por quase 400 páginas de uma escrita fluída, marcada muitas vezes pela oralidade do texto.

“E lá fomos nós, klo-tok-klo-tok-klo-tok, rio acima”, descreve, imitando o som do estreito barco de madeira usado na busca de vida selvagem em Bornéu.

Surpreende também sua capacidade de sintetizar uma longa travessia como a Expedição Oriente, sem ser apressada, em uma obra dinâmica que permite que o leitor acompanhe suas histórias como se estivesse na proa da embarcação.

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Perrengues

Se faltou tempo, sobraram perrengues. Mas para eles, “missão impossível é missão concluída”.

Depois de trocar a casa de tijolos pela instabilidade das águas, os pais e três filhos navegaram 50 mil quilômetros sob as regras do mar, “o verdadeiro capitão de uma viagem como essa”.

Acompanhados de uma tripulação de apoio que era alternada conforme desistências pessoais ou compromissos profissionais, sobreviveram aos ventos potentes da Antártica, encararam o mau humor do clima na Patagônia e suaram frio em travessias sobre águas de pouca profundidade, na Polinésia Francesa.

Mas os maiores perrengues são aqueles que as cartas náuticas e os livros de referência não podem prever.

Família Schurmann a bordo (foto: Pedro Nakano/Divulgação)

Em um dos trechos mais tocantes do livro, Heloísa descreve o tombo dentro do veleiro, em Tonga, que a afastou da expedição por uma semana para tratamento em Auckland.

Em outro momento emocionante, Formiga relembra a passagem pela Nova Zelândia, onde conheceram os pais biológicos de Kat que viria a ser adotada por Vilfredo e Heloísa.

“É como levar a nossa filha conosco nessa expedição”, explica no site do projeto da expedição dessa volta ao mundo, cujo veleiro leva o nome da garota que faleceu, aos 13 anos, vítima do HIV.

No entanto, a escrita de Heloísa não tem espaço para lamentos ou descrições sentimentaloides. Enquanto o mundo passa do lado de fora da gaiuta, tudo são aprendizados do lado de dentro (do veleiro e da alma velejadora).

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A estrelinha dos Schurmann
foto: Reprodução

Para melhor entender a história de Kat, que Heloísa detalha em um capítulo do livro “Expedição Oriente”, vale assistir ao “Pequeno Segredo”, filme de David Schurmann sobre a história da irmãzinha adotiva.

Com Júlia Lemmertz, Marcello Antony e Maria Flor no elenco, o drama foi, polemicamente, escolhido para representar o Brasil no Oscar 2017, na categoria Melhor Filme Estrangeiro, no lugar de ”Aquarius” de Kleber Mendonça Filho.

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A viagem dos outros

Embora seja a família velejadora mais conhecida do Brasil, daquelas com entrada ao vivo no Fantástico e produção de conteúdo de altíssima qualidade para a National Geographic, o que sempre chama a atenção é a sua habilidade de sair de cena quando é necessário.

Os Schurmann não são protagonistas de suas próprias viagens. São parte de um mundo que vai muito além do seu cockpit. O roteiro é escrito de acordo com o que se encontra do lado de fora da cabine de comando.

Foi no mar que eu aprendi a conhecer as pessoas” - Vilfredo Schumann

A autora não sustenta seu livro com relatos frouxos sobre curiosidades e perrengues sobre velejar. Heloísa, a escritora, vai além das descrições aventureiras e entrega uma contextualização multidisciplinar dos pontos de ancoragem ao redor do mundo.

No capítulo dedicado ao Vietnã, por exemplo, vai da guerra da Indochina às influências culinárias desse país que já esteve sob comando de chineses, franceses e estadunidenses, bem como explicações geológicas que explicam as lendas da formação do arquipélago de Halong Bay.

Família Schurmann com orangotango em Kumai, na ilha de Bornéu (foto: Klaus Schlickmann/Divulgação)

Na isolada Gonubalabala, na Papua-Nova Guiné, a família surpreende a população local, que sofria com a seca, ao fazer água com o dessalinizador que o veleiro Kat trazia a bordo. “Acho que dos presentes que já espalhamos pelo mundo, esse foi o mais gratificante”, confessa Heloísa em um dos capítulos.

Aliás a sustentabilidade é um dos pilares das viagens dos Schurmann. Não só pelas sessões de recolhimento de lixo em praias mundo afora, mas na hora de construir sua própria casa flutuante, um dos veleiros mais sustentáveis já construídos no Brasil.

O mundo dos Schurmann é bem maior do que um veleiro de 24 metros de comprimento.

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SAIBA MAIS

“Expedição Oriente” (editora Record)
Heloísa Schurmann
392 páginas
www.record.com.br

Família Schurmann
www.schurmann.com.br

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