Heloísa Schurmann fala sobre seu isolamento na pandemia de coronavírus

Nunca consegui ser uma avó tradicional”, confessa essa ex-professora que fez do mar a sua sala de aula, nas conhecidas voltas ao mundo a bordo de um veleiro com a família Schurmann.

Heloísa é daquelas que leva netos para andar de caiaque, fazer snorkel, manobrar velas de um veleiro, sentar na proa para ver golfinhos e escorregar numa tampa de caixa d’água. Heloísa só lamenta não haver mais de 24 horas em um dia.

Mas em tempos de pandemia de coronavírus, é hora de desacelerar (mas com um olho no mapa e outro nas obrigações profissionais).

O editor do Viagem em Pauta conversou por email com Heloísa Schurmann para saber como anda sua rotina em tempos de isolamento social.

Heloísa Schurmann (foto: Divulgação)

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sobre o isolamento social
Estou na casa de David, meu filho cineasta, aqui em São Paulo. Estamos eu, ele e o filho dele, meu neto Kian, de 11 anos.

Já estou nesse isolamento há, mais ou menos, 50 dias. Sou do grupo de risco e tenho consciência da importância desse ato para a minha saúde e a dos demais. Não é um isolamento tão prazeroso como os que já vivi e ainda viverei a bordo. Mas é um ato de amor, de generosidade, com o próximo.

a rotina durante a quarentena
HS: Mantenho uma rotina bem ativa. E isso ajuda bastante. Como estamos em casa, temos um pequeno quintal, onde tomo sol e faço meus exercícios diariamente. Dividimos as tarefas de casa, incluindo funções para o Kian.

Além dessas tarefas domésticas, tenho participado de lives, ministrados palestras online e trabalhado em projetos pessoais, como os meus livros.

Também estamos ajudando e divulgando campanhas de solidariedade ao próximo, como #maesdafavela. E ainda tem os projetos em comum.

Essa tempestade vai passar e precisamos estar atentos ao futuro. Nesse momento de intensa reflexão, podemos observar os efeitos do “planeta sem o homem”. A natureza se recriando, os índices de poluição despencando.

Veleiro Kat na Expedição Oriente (foto: Pedro Nakano/Divulgação)

sobre os ensinamentos que as expedições em veleiro podem nos dar
HS: Reconheço que são momentos bem distintos. Até então, nossos isolamentos a bordo sempre foram motivados por nossos sonhos e sua realização. Agora, o isolamento social é uma medida que vem sendo adotada no mundo todo como forma de combate o avanço da pandemia do coronavírus.

Mas é fato que as experiências desses 36 anos de expedições nos ajudam a encarar desafios da vida cotidiana, incluindo este momento tão inesperado.

Das experiências a bordo vem também a divisão de tarefas. Isso já deveria ser uma prática comum na casa de todo mundo, mas tem se mostrado para lá de necessária nessa fase de homeoffice, homescholling, cuidados com a casa, com a alimentação etc.

Veleiro Kat durante volta ao mundo (foto: Klaus Schlickmann)

recomendações
HS: Sei que não é fácil e reconheço que essa momento impacta de maneiras diferentes na vida de cada um. Mas é fundamental ter e exercitar a paciência.

Numa situação dessas [a bordo de um veleiro], se você e todos que estão contigo não mantiverem a paciência, forma-se uma “tempestade” a bordo mais forte e comprometedora que qualquer tempestade natural. Precisa paciência para entender que estão todos literalmente no mesmo barco. O meu espaço passa ser, na maioria das vezes, o nosso espaço.

o convívio a bordo
(entre setembro de 2014 e dezembro de 2016, a Família Schurmann velejou do Brasil até a China, cuja experiência é relatada no livro “Expedição Oriente”)

HS: Aí vêm outros ensinamentos que se aplicam no dia a dia, principalmente em momentos como esse. Entre eles: respeito. O meu espaço é o nosso espaço, mas isso não tira o meu direito (e o dos demais) de ter um momento só meu. Que eu fique quietinha comigo mesmo, num cantinho qualquer.

Além disso, essa convivência não permite apego a picuinhas e mágoas. Somos uma família como outra qualquer. Temos nossas discussões, divergências de pensamento etc. Mas isso não pode se tornar um monstro que vai sendo alimentado a cada dia.

A bordo, se alguém faz algo que não agrada o outro, senta-se frente a frente e conversa sobre a questão, buscando resolver ali, naquele momento. Se vem uma tempestade, a tripulação precisa estar bem resolvida e unida para enfrentar o desafio com serenidade.

Família Schurmann na primeira volta ao mundo, em 1984 (foto: Divulgação)

rotina a bordo
HS: Quando zarpamos para a primeira volta ao mundo, há 36 anos, [os filhos] Pierre tinha 15 anos, David, 10, e Wilhelm, 7. E todos eles ajudavam nas tarefas a bordo, tanto para a navegação em si, como na limpeza e demais tarefas domésticas.

Nossas expedições sempre foram momentos de intensa integração e convívio familiar.

Cultivamos a conversa, o bom humor, a coletividade e a diversão em grupo com jogos de tabuleiro e cartas, por exemplo. E isso se mantém no nosso isolamento em terra e no isolamento a bordo do veleiro Kat [atualmente, Vilfredo Schurmann, seu filho Wilhelm e a esposa Erika estão em quarentena nas Ilhas Falklands/Malvinas]

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mudanças nesses anos de viagens em um veleiro
HS: Com o passar dos anos, a tecnologia facilitou bastante as nossas experiências a bordo. Há 36 anos, nosso GPS estava no céu: as estrelas.

Hoje é bem diferente. A tecnologia vem para facilitar, possibilita que a gente se conecte com nossos familiares, amigos e outras tantas pessoas que nos acompanham também em lives e palestras online. Isso é maravilhoso.

Mas não pode dominar nosso dia a dia e nos isolar ainda mais. Se você está em casa acompanhado, conviva verdadeiramente com quem está perto de você.

Família Schurmann com orangotango em Kumai, na ilha de Bornéu (foto: Klaus Schlickmann/Divulgação)

planos para quando tudo isso passar
HS: Nós (Família Schurmann) temos um compromisso com nossos mares, com nosso planeta. O meio ambiente não está esquecido. Apenas aguarda essa pandemia passar para voltar a ser defendido mais intensamente com iniciativas como o nosso movimento ‘Voz dos Oceanos’, que inclui uma expedição que tem o apoio global do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

Isolados em terra e em mar, continuamos conectados com a causa e planejando esse importante projeto, um legado que humildemente queremos deixar para as próximas gerações.

origem do apelido Formiga?
HS: (rs) Esse foi um apelido que ganhei do meu filho Pierre, quando ele era bem pequeno.

Sempre fui agitada, dinâmica, e ele dizia “mamãe, você parece a Formiga Atômica”. [em referência ao personagem do desenho Formiga da Hanna Barbera].

Ela era uma formiga que defendia o mundo dos criminosos, um inseto-herói. Quando recebia uma missão, partia gritando “lá vai a triônica, Formiga Atômica”! E assim me tornei simplesmente Formiga.

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