Fernando de Noronha: a Ilha Maldita

É difícil imaginar que aquelas terras de praias paradisíacas um dia foram conhecidas como Ilha Maldita.

Endereço de presídios erguidos em diferentes períodos de sua história, Fernando de Noronha foi uma espécie de depósito humano, cujo objetivo era ocupar aquele território estratégico entre a Europa e o Novo Mundo.

A 545 km do Recife, capital de Pernambuco, a ilha era uma barreira natural intransponível que funcionou, a partir de 1737, como isolamento de exilados políticos ou presos comuns, como ciganos, combatentes da Revolução Farroupilha (1844), presos da Revolução Praieira (1849) e até capoeiristas, considerados desordeiros, em 1890.

Noronha
Aldeia dos Sentenciados, na Vila dos Remédios (foto: Eduardo Vessoni)

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Conhecida também como a ilha “Fora do Mundo”, nos séculos 19 e 20, Noronha tinha penitenciárias com celas estreitas sem proteção contra o clima extremo da ilha, construídas pelos próprios detentos; homens acorrentados por bolas de ferro ou torturados, psicologicamente, na vizinha Ilha Rata (uma espécie de solitária a céu aberto); e uma área devastada a fim de evitar a fuga de detentos em jangadas feitas com troncos de árvores de mulungu.

Sem saber, os prisioneiros não só pagavam penas como também escreviam a história de uma ilha descoberta, em 1503, e abandonada por seus primeiros descobridores.

Era tanto isolamento que os habitantes locais não ficaram sabendo da independência do Brasil, em 1822, e seguiram hasteando a bandeira portuguesa, na Fortaleza dos Remédios, por mais dois anos.

Noronha
foto: Eduardo Vessoni

Holandeses, franceses e italianos também estiveram na ilha, mas Portugal só voltaria a se interessar por Fernando de Noronha, em 1737.

Para ocupar, definitivamente, aquelas antigas terras lusas, a ilha foi transformada em presídio comum para condenados a longas penas, conhecido também como Colônia Correcional de Fernando de Noronha.

O patrimônio que fica hoje na Vila dos Remédios foi construído com mão de obra penitenciária, que também se dedicava à lavoura ou a trabalhos de marcenaria, ferraria e sapataria, e começou a ser erguido naquela época, como a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios (1737).


Outra construção daquele período é o complexo sistema defensivo com dez fortificações, conhecido como “o maior sistema fortificado do século 18 no Brasil”, como a Fortaleza de Nossa Senhora dos Remédios, cujas ruínas ainda podem ser vistas no alto de uma colina, próximo ao centro histórico da Vila dos Remédios.

A partir dali, um roteiro autoguiado começa ao lado do casarão colonial do Palácio de São Miguel, seguindo por outras construções históricas, como a Aldeia dos Sentenciados, uma construção onde os presos de mau comportamento passavam a noite sobre barras de madeira ou leitos de pedras.

Já a Ladeira do Forte, de onde se tem vista da região das praias de Noronha e do centro histórico, dá acesso ao Forte de Nossa Senhora dos Remédios, cujas atuais ruínas já serviram como presídio e, durante a Segunda Guerra, foi usado como abrigo para soldados americanos.

Fernando de Noronha, Pernambuco, Brasil
Morro Dois Irmãos (foto: Eduardo Vessoni)

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Presídio político

O cárcere comum funcionou até 1938, quando a ilha foi entregue à União para a criação do Presídio Político Federal.

Requisitada pelo então presidente Getúlio Vargas, naquele mesmo ano, o arquipélago passaria a abrigar, seiscentos homens considerados subversivos como o guerrilheiro e poeta Carlos Marighella. Em 1942, os presos seriam transferidos para a penitenciária de Ilha Grande, em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.

Naquele mesmo ano, o arquipélago é declarado Território Federal de Fernando de Noronha e se tornaria território militar até 1988.


Com o Golpe Militar de 1964 que derrubaria o presidente eleito João Goulart, o arquipélago passou a abrigar o Presídio Político Especial, a partir de abril. Durante o curto tempo de existência dessa nova (e breve) modalidade carcerária em Noronha, entre 1964 e 1967, foram recebidos 34 prisioneiros como o então governador de Pernambuco, Miguel Arraes, que ficou detido na ilha por 11 meses, antes de seguir para seu exílio, na Argélia.

Curiosamente, quando a ilha foi reintegrada a Pernambuco com a promulgação da Constituição de 1988 que extinguia o Território Federal de Fernando de Noronha, Miguel Arraes seria, novamente, governador de Pernambuco, tomando posse no mesmo local onde esteve encarcerado na ilha.

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38 Comentários

    • A expedição portuguesa que descobriu a ilha em 1503 foi financiada por um comerciante português chamado Fernão de Loronha. O rei de Portugal concedeu a ilha como capitania hereditária ao comerciante em retribuição ao financiamento em 1537, porém o mesmo nunca chegou a tomar posse. A designação é decorrente de paronímia em que o nome Fernão de Loronha tornou-se Fernando de Noronha com o passar do tempo. Em 1630 a ilha já aparece nos mapas com o atual nome.

    • Hoje com tanto ladrão na política do Brasil, seria interessante que ativasse outra ilha com a mesma finalidade, prá afastar esses crápulas do meio da sociedade.

    • Fernão de Noronha era um prisioneiro de Portugal que teria se tornado “cristão novo”, árabe convertido,que foi trazido ao degredo na ilha.
      Um dos exilios de Portugal era o Brasil com o intento de habitar a colônia.
      O

  1. Meu tio avô cumpriu pena na ilha por homicídio. Depois ele foi transferido para o Recife onde cumpriu o resto da pena da casa de detenção, hoje atual casa da cultura. O homicídio dele foi por vingar a morte do pai dele meu bisavô que foi assassinado por dois primos dele.

  2. Muito bom ler essa reportagem porque não sabia da historia e também porque meu companheiro serviu ao Exército nessa ilha durante 6 anos, muita história para contar !

  3. Muito interessante,realmente eu não sabia nada sobre a ilha. Tinha vontade de conhecer,mas contantas babaridades que aonteceu por lá, não quero mais conhecer.

  4. Noronha é suas histórias,lembro como se fosse hoje,caminhão do exército subindo para o forte levando presos políticos na década de 60

  5. Matéria muito importante e Digna de profundo conhecimento dos responsáveis pela narrativa sobre a ilha. Parabéns pela história.

  6. Meu avô ficou preso nessa ilha, meu pai era criança e morou lá com meus tios e minha vó. Meu avô junto com 3 companheiros fugiram em uma canoa improvisada, nunca foram achados.morreram no mar .

  7. Excelente texto, informativo e esclarecedor.A bela ilha já passou por tudo, já viu de tudo. Renascendo das cinzas, hoje,imponente e magnífica, atrai para si curiosos dos quatro cantos do mundo, que se deleitam com todo seu esplendor! Parabéns! Belíssimo texto!

  8. Parabéns pela matéria ! Muitos que frequentam a ilha não têm interesse e não fazem ideia da história triste dela . Graças a Constituição Federal de 1988 Fernando de Noronha passou a ter o destaque merecido , livre das mãos dos milicos, e hoje pertence ao meu estado Pernambuco, que lhe dá o devido cuidado.

  9. Naquele tempo, era comum presídios em ilhas desertas, eram chamados de educandarios. O motivo era supostamente dar mais segurança à sociedade, evitando fulgas fáceis de criminosos igual hoje. Mas de verdade o motivo era se livrar de presos políticos, exploração e tortura de criminosos, os quais sofriam pra diabo. Uns nunca mais voltavam. Aqui no meu Pará tem as ruinas históricas do educandario Nogueira de Farias na Ilha de Cotijuba, onde muitos presos comeram pão que o diabo amassou. Lá pelo meus 10 anos em 70, ainda funcionava, e lembro de ter ouvido relatos tenebrosos sobre aquele presídio.

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