Desde que Jéssica Paula teve uma infecção na garganta que migrou para a medula e a deixou paraplégica, aos seis anos de idade, sua vida foi de aprendizados. Teve que reaprender a sentar, a usar cadeira de rodas, a caminhar com um andador e a… escalar o Pão de Açúcar.
Para celebrar o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, neste 21 de setembro, o Viagem em Pauta relembra a história dessa goiana de Rio Verde que se tornou a primeira mulher paraplégica a escalar uma das faces desse complexo de morros, no Rio de Janeiro (RJ).
“Atreva-se”, como ela mesma diria para inspirar outras pessoas a desafiarem o primeiro não que receberem.
O que mais a motivou deixar seu lugar de conforto (e as muletas de lado) para ver o Rio de outro ponto de vista foi ter ouvido que ela não conseguiria, devido ao grau de dificuldade e das suas condições físicas.
“A autoconfiança é o mais difícil de conquistar. É olhar para algo que nunca foi feito antes e dizer que você pode ser a primeira. Tem que se bancar, mas às vezes a gente tem receio de não conseguir”, contou para o jornalista Eduardo Vessoni, dias antes da escalada.
A goiana de 33 anos encarou a escalaminhada (caminhada em trilhas de ascensão) em um terreno com até 75° de inclinação, em uma rocha de granito de quase 400 metros e trechos com subidas por cordas, trilhas e paredões verticais.
Mas não basta vontade, é preciso também preparo.
Jéssica contou com a ajuda de um coordenador no Costão do Pão de Açúcar, uma das vias mais comuns entre montanhistas.
Se para uns essa é apenas uma trilha, para Jéssica a experiência foi uma desafiadora escalada, cujo ponto mais complexo é o crux, como é chamada qualquer seção mais difícil do esporte, que no caso do do Pão de Açúcar era uma subida de 30 metros verticais, dividida em quatro etapas.
“Antes de trazer a técnica [da escalada], ele [o coordenador] entendeu como meu corpo funcionava. Para mim, isso foi uma excelente opção”, conta Jéssica que, por não ter forças nas pernas, teve que se arrastar ou se apoiar no guia, em trechos onde geralmente se caminha.
LEIA TAMBÉM: “Turismo sem capacitismo: 3 histórias de viagens inspiradoras”
Como saco vazio não para em pé, tudo começou com mudanças na sua alimentação.
Jéssica começou a comer em maior quantidade e em horários mais regulares, ingerindo mais carboidratos, já que ela gasta “três vezes mais energia do que uma pessoa não deficiente para fazer atividades”.
Outras ajudas vieram de personal trainers especializados em treinos de pessoas com deficiência física, intercalando descanso e dias de treino com exercícios para fortalecer abdômen, costas e ombros (uma das suas fragilidades), além dos de equilíbrio e de isometria, quando se trabalha o músculo sem a necessidade de movimento por parte do esportista.
“O principal desafio era fortalecer e proteger os ombros e os músculos das costas porque na escalada eu precisava levantar o meu próprio peso”, conta a jornalista que, para testar suas habilidades, chegou a praticar num paredão indoor, em São Paulo, e fazer rapel no Morro do Maluf, no Guarujá, no litoral paulista.
Linda e plena no Pão de Açúcar
Como Jéssica também contou para a reportagem, no dia da escalada, levantou-se às 4h30 para… se maquiar.
“Aconteça o que acontecer, eu vou estar linda e plena”, avisou.
O desafio, que envolveu cerca de 40 pessoas, direta e indiretamente, começou cedo para evitar o sol mais alto do meio-dia e só foi concluído oito horas depois. Um escalador sem mobilidade reduzida, por exemplo, levaria entre três e quatro horas para completar a ascensão. Já no final ela lembra também que o cansaço era forte e começou a tropeçar onde não tropeçaria, normalmente.
“O mais difícil eu já fiz, não preciso provar mais nada para ninguém. Eu quero descer de bondinho”, brincou, na hora de voltar.
LEIA TAMBÉM: “Do sagrado ao profano: ciclista celebra 60 anos com pedal na Estrada Real”
Seja o primeiro a comentar