Perseguição e superação marcam 1º restaurante tibetano do Brasil

Das terras distantes, aos pés do Himalaia, vieram não só deidades e mantras budistas, mas também um artista e empresário que abriria, anos mais tarde, o primeiro restaurante tibetano no Brasil.

Mas a história poderia ter sido outra.

Quando tinha 16 anos, Ogyen Shak cruzou a pé a cordilheira asiática, ao lado de três de seus irmãos, fugindo da invasão da China comunista no Tibet.

Foram dois meses andando sobre o gelo até o vizinho Nepal, o que lhe rendeu uma gangrena que comprometeu os dedos de um dos seus pés. Após uma longa internação de um ano, num campo de refugiados tibetanos em Dharamsala, na Índia, ele recomeçou a vida com arte sacra, pintando em templos de mestres como Dalai Lama e Dzongsar Kyentse Rinpoche.

E foi num daqueles rituais budistas que o falante Shak começou a se interessar pela culinária.

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Restaurante tibetano do Brasil

Em 2006, esse tibetano desembarcou no Brasil para coordenar trabalhos artísticos no templo budista Odsal Ling, em Cotia (SP), e acabou conhecendo sua futura esposa Adriana, ​gaúcha de Novo Hamburgo.

O casal fundou então o Tashiling, na época o primeiro e único restaurante tibetano do Brasil, em 2011. Dois anos depois, o empreendimento mudou de endereço (e de nome) para se transformar no Espaço Tibet, em Três Coroas, a cerca de 90 quilômetros de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

Atualmente, o que se vê na mesa – colorido, aromático e saboroso – pouco lembra aqueles anos sombrios de perseguição.

Um dos pratos tibetanos mais tradicionais é o môtup (R$ 55), uma entrada em forma de trouxinha, salteada na manteiga com castanhas de caju e especiarias tibetanas, recheadas com carne (sha), batata (alú) ou legumes (ngotsé).

Essa espécie de pão feito no vapor é a versão tibetana do baozi e do guioza orientais.

Entre as opções de pratos principais com carne, o Espaço Tibet tem o ra sha (R$ 85), uma receita inventada pelo pai de Shak, uma bisteca de cordeiro grelhada com molho de tomate, açafrão, servida com purê de batatas e chips de batata doce decorados com creme de leite.

Já o Chow Mein (R$ 78) é uma massa com sha (iscas de filé greelhado) ou shamô (shimeji fresco), servida com composé de acelga, cebola roxa, brócolis e cenouras crocantes, e finalizada com gergelim branco.

Vegetarianos e veganos contam ainda com o shami tsé (R$ 84), fatias de tofú com um composé de pak shoio, cebola, cenouras e batatas, acompanhado de arroz branco.

Na sobremesa, as receitas orientais são o hin tôrik tsé (R$ 29), um purê de maçã (kushô) ou banana (ngolhôk), com castanhas de caju e uvas passas, servido com duas bolas de sorvete de creme ou de frutas vermelhas, decorado com cobertura de caramelo, ganache e gergelim branco.

Outra opção de doce é o tsalok tse (R$ 47), fatias finas de picles de gengibre caramelizados em cachaça e açúcar refinado, servidas com duas bolas de sorvete de creme e decorado com gergelim branco.

Cozinha afetiva

Por pouco, Shak sequer teria história para contar, muito menos o primeiro restaurante brasileiro de cozinha tibetana.

Por isso, o chefe faz questão de recontar sua história em forma de pratos saudosos.

Entre eles, tem a experiência Memórias de Kham (R$ 138), com clássicos da culinária do Tibet, como momos ao molho de manjericão, shatok, tsamté e pötcha; e o naye apa (R$ 138), em que homenageia seu pai com os pratos preferidos do patriarca.

“Recebi tanto amor e carinho do meu pai, a cada momento, a cada segundo da minha vida. Não tem como esquecer isso e [essa experiência] é uma oportunidade de apresentá-los a vocês”, conta Shak no cardápio, cuja sequência inclui momos ao molho de manjericão, ra sha, sobremesa do chefe e pötcha, chá de manteiga com leite, chá preto e sal do Himalaia.

E enquanto Shak comanda sua farta cozinha, esse chefe tibetano não se cansa de repetir “tá coisa boa, tá coisa boa, mano”, lembrando as gírias que aprendeu na época em que esteve em São Paulo.

“Eu passei fome, então eu como de tudo. Essa experiência amadurece a vida de qualquer pessoa”, lembra.

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