O que viajantes famosos têm a nos dizer sobre desastres ambientais?

O mundo anda com olhos voltados para o futuro, sobretudo aquele em que o coronavírus será apenas mais um capítulo da História e nossas vidas reassumirão alguma normalidade (se é que alguma vez fomos normais).

Mas o futuro precisa olhar para o passado.

Escrito há mais de um século, “A morte da Terra” é como um spoiler ambiental, daqueles com revelações que ninguém gostaria de saber. Mas deveria. É um livro do passado que adianta o futuro. Infelizmente, o autor não traz nenhuma novidade sobre essa Terra decadente, mal administrada e fadada ao desaparecimento.

O belga J. H. Rosny Ainé ambienta sua história em um planeta onde os últimos habitantes vivem em uma espécie de bolhas auto-suficientes, onde Targ, o vigia do Grande Planetário, e sua irmã Arva se mantêm vivos por conta de sua emotividade superior e esperança elevada.

Nesta matéria você conhece viagens históricas que, mais do que revelar descobertas científicas, adiantaram em algumas décadas a discussão do que hoje é um dos assuntos mais urgentes: a descuidada relação do ser humano com o meio ambiente.

Alexander Von Humboldt

Bem que ele avisou, mas pelo visto ninguém deu bola.

“O pequeno boticário”, como Humboldt era chamado pela família, tinha gosto (e talento) para sujar os pés na terra. Para esse explorador alemão de Berlim, tudo está interligado, em uma Natureza que é um reflexo do todo.

Após expedição por florestas da Venezuela e vulcões no Equador, entre 1799 e 1804, Humboldt se tornaria “o primeiro cientista a falar das nocivas alterações climáticas causadas pelo homem”, assim como lembra Andrea Wulf, autora da biografia “A invenção da natureza: a vida e as descobertas de Alexander Von Humboldt” (ed. Crítica).

Cratera do Pico de Teide, em Tenerife (imagem cedida pela editora Crítica)

Em visita ao Lago de Valência, um dos maiores da Venezuela, o naturalista ficaria sabendo que o nível das águas vinha baixando em velocidade acelerada.

Sem conexão com o mar e com uma visível escassez de árvores que controlassem a evaporação de suas águas, o lago era um terreno exposto ao clima, impossibilitado de reter seu próprio volume. Nas conclusões de Humboldt, o desvio para a irrigação agrícola e a derrubada das florestas ao redor eram os responsáveis pela vazão daquelas águas.

Alexander Von Humboldt (imagem editora Crítica)

Mais de dois séculos depois da tragédia anunciada, as comunidades dos arredores do Valência sofrem com sua contaminação e os constantes transbordamentos afetam cerca de 900 famílias locais.

“Tudo está estreitamente conectado”, lembraria Humboldt. Em outras palavras, onde houver a mão do homem haverá mudança climática e alteração drástica na natureza.

Como se adiantasse o futuro dos desastres ambientais em 200 anos, Humboldt falava de desmatamento de florestas para gerar energia das máquinas a vapor, drenagem de áreas alagadas para criação de campos cultiváveis e poluição produzida em áreas industriais.

Para a biógrafa Andrea Wulf, Humboldt se tornava o primeiro a relacionar a ação humana com a degradação da Natureza. Daí o título de “ pai do movimento ambientalista”, 150 anos antes da política ambiental ser assunto mundial.

Seus questionamentos ambientais viriam à tona antes mesmo da Revolução Industrial concluir sua primeira fase e redesenhar o planeta. Enquanto o mundo se destruía em nome do desenvolvimento econômico, Humboldt “inventava” a Natureza em um mundo onde “o homem não é nada”.

Vista de Washington DC, durante visita de Alexander Von Humboldt (imagem cedida pela editora Crítica)

Charles Darwin

Se Humboldt lamentava o uso indevido do solo, seu admirador Charles Darwin questionava uma área tão extensa como a do Brasil ser tão mal aproveitada.

“A proporção de terras cultivadas é insignificante se tomarmos as extensões abandonadas ao estado de natureza selvagem”, escreveria durante passagem pelo Rio de Janeiro, em sua volta ao mundo a bordo do barco a velas Beagle.

Há quase 200 anos, Darwin rascunhava o futuro, espantando-se com desmatamentos, derretimento de geleiras e assuntos como o trato aos animais.

Entre 1831 e 1836, o jovem com então 22 anos coletou dados que, posteriormente, fundamentariam o Evolucionismo, a teoria que defende a ideia da modificação progressiva das espécies e suas adaptações ao ambiente.

Sob comando de Robert Fitz Roy, Darwin passou pelo Brasil e pela Patagônia, antes de cruzar o Pacífico, em direção ao Taiti.

De regresso para casa, o cientista faria uma parada de quatro dias em Santa Helena, onde mal pôde ver uma árvore. Isolada no Atlântico Sul, a cinco dias de navio da Cidade do Cabo, na África do Sul, é uma das ilhas mais isoladas do mundo, cuja terra firme mais próxima fica a mais de mil quilômetros dali.

Desde que se tornaram Território Britânico Ultramarino, aquelas terras vulcânicas viram o verde ser substituído, pouco a pouco, por uma aridez desoladora, causada pela alta demanda de lenha para os primeiros colonos e introdução de cabras e porcos selvagens.

Nas palavras do próprio Darwin, era como um castelo negro que “se eleva abruptamente do oceano”.

Cenário visto por Darwin, durante viagem a bordo do Beagle (imagem cedida por L&PM Editores)

A situação naquela ilha semi-deserta só começaria a mudar nos últimos 20 anos com o projeto The Millennium Forest (“A Floresta do Milênio”, em português) que, desde 2000, recupera a devastada Great Wood, uma extensa área no nordeste da ilha com abundância da endêmica gumwoods (Commidendrum robustum).

Gerenciado desde 2002 pela Saint Helena National Trust, uma organização sem fins lucrativos com apoio da Darwin Initiative e do programa BEST da Comissão Europeia, o projeto teve quatro mil árvores plantadas em seu primeiro ano de funcionamento.

Darwin ficaria satisfeito se voltasse a Santa Helena.

VEJA TAMBÉM: “Com a Família Schurmann a bordo de um veleiro do Brasil até a China”

Gandhi brasileiro

Até a metade do século passado, a Amazônia e o miolo do Brasil eram terras desconhecidas sem comunicação com o país.

É nesse contexto que Cândido Rondon, o “patrono das comunicações no Brasil”, se tornaria uma espécie de novo descobridor do país com suas complexas expedições para instalação de telégrafos em áreas remotas.

foto: Domínio Público

Mas o “Domador dos Sertões”, outro dos tantos títulos de Rondon, não se contentou apenas em estreitar laços com áreas esquecidas.

Fundador do SPI (Serviço de Proteção aos Índios), mais tarde substituído pela FUNAI, Rondon seria lembrado como um dos mais importantes defensores dos direitos indígenas.

Esse militar pacificador ficou conhecido pelos contatos não-violentos e respeitosos com indígenas brasileiros que nunca tinham visto um homem branco, trazendo-os para a civilização sem tirá-los de suas próprias terras (nem que para isso Rondon tivesse que se ausentar no dia do nascimento de todos os seus sete filhos).

“Morrer se for preciso, matar nunca”

(CÂNDIDO RONDON)

Sua abordagem não-violenta seria inédita desde Gandhi, como definiu um membro da Cruz Vermelha, após a morte do militar, em 1958. Seu método pacifistas incluía participações em rituais, aproximações desacompanhadas nas aldeias e pedidos de permissão para construção de postos telegráficos em terras indígenas.

Para o jornalista Larry Rohter, autor de “Rondon: uma biografia” (ed. Objetiva), a vida de Rondon “era construir, não destruir”.

Rondon (á esq. com a mão na cintura), próximo à fronteira entre Brasil e Bolívia (foto: Domínio Público)

Em certa ocasião, o militar chegou a liberar índios que trabalhavam sem remuneração para um juiz do Mato Grosso que desmatava em nome do cultivo. “O que estava errado, metia-se na frente e acabava com aquilo”, lembra Rohter.

Mesmo nos encontros com índios hostis à presença branca, como os Nambikwára, o “soldado caboclo” punha em prática sua habilidade de se comunicar com grupos indígenas e inclui-los, de acordo com a cultura deles, em novos contextos da sociedade.

Para Alexander Von Humboldt, todo conhecimento deveria ser compartilhado. E foi o que ele, e tantos outros viajantes, fizeram ao alertar sobre desmatamento de florestas, queda no nível de água e aridez de “terras outrora férteis”.

Mas qual parte da história que o ser humano ainda não entendeu?

SAIBA MAIS

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*