Você já foi para Tururu do Sul? Então leia este livro

“Foi do alto da torre, entre o badalar cansado do tempo, que o vento sussurrou tudo o que vou contar”

(trecho de ‘Irmãs da Chuva’)

Acho desafiador quando alguém me pergunta ‘você já foi para…?’ Sempre fica aquele suspense no ar, um receio de não ter ido ou de ter que me prolongar em detalhes (por já ter ido).

Mas desafio mesmo é quando perguntam se você já foi para Tururu do Sul, que aliás não tenho ideia de onde fica. Mas deu vontade de ir para esse lugar de relógio parado, cheiro de terra molhada e invencionices de gente sertaneja.

Lançado no final do ano passado, ‘Irmãs da Chuva’ (editora Peirópolis) é o novo livro da jornalista Gabriela Romeu, com gravuras da designer gráfica argentina Anabella Lopez que, vejam só a colorida referência, mora em Porto de Galinhas, no município de Ipojuca, em Pernambuco.


A obra é sobre as irmãs benzedeiras Feliciana e Damiana que tinham o dom de fazer chover no sertão com suas cantorias que chamam vento com cheiro de chuva e rio que não vem mais. Até o calo dói mais forte e a viola canta diferente.

Se não cantarem juntas, o sertão pode até virar mar.

imagem: Anabella Lopes

Conhecida pelos títulos que abordam as coisas do Brasil, inventariando aquilo que nem todo mundo sabe que existe, Gabriela é autora de livros como ‘Lá no meu quintal’, um passeio pelos brincares das cinco regiões do Brasil, e ‘Terra de cabinha’, relato de viagem pelas brincadeiras no sertão verde do Cariri, no Ceará.

Mas nesse livro de estrada pelo interior do Brasil, a narrativa traça caminhos em outros sertões do país, o das cantadores, das benzedeiras e dos contadores. É tanta poesia no sertão de Gabriela que quase não dá tempo de ver tudo o que tem para ver nos sete dias de chuvarada que dura a história.

Assim como define a autora, ‘Irmãs da Chuva’ é “um conto de fadas bem brasileiro”, “um conto de encantamento” com amuletos mágicos, encantados e encantarias.

imagem: Anabella Lopes

“É uma história inspirada em acontecências de muitos lugares, de mulheres que têm saberes de chuva e que sabem rezar para fazer chover”, descreve Gabriela, para quem seu livro, apesar de ser uma ficção, é sobre uma história que acontece “em muita beirada de rio”.

Não é só sobre ser-tão, mas também sobre estar no sertão.


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Sertão fantástico

Pintando o sertão, Anabella Lopes faz suas ilustrações transbordarem das páginas como imensas telas sincréticas de tons vibrantes e escaldantes. Tem mandacaru psicodélico, caminho traçado por bordadeiras e figura do além no meio do buritizal.

“Cada livro é um desafio para mim, mas esse foi especial. Quando são temáticas tão profundas da cultura brasileira, a gente que é estrangeiro fica com essa sensação de que não tem esse lugar de fala. É tão genuíno da minha parte que esse lugar acaba se construindo”, conta Anabella, artista argentina há dez anos no Brasil.

No caso de ‘Irmãs da Chuva’, o comovente trabalho de Anabella não só tem lugar para as falas daqui, como também as da América Latina hispânica.

imagem: Anabella Lopes

Nessa espécie de Xul Solar em pleno interior do Brasil, tem sertão surrealista de seres fantásticos, de cenários geométricos e de palavras que até parecem coisa de língua inventada. É poesia musical e música poética, ao som de Iansã, Santo Antônio e Santa Clara.

Para a artista, o mundo visual construído para esse sertão fantástico do livro de Gabriela é um disparador de diversas influências para as imagens, do tarô aos mudras do hinduísmo, dos primeiros cabalistas a Frida Khalo.

“Uma beleza só aquele tanto de cor pintando o sertão”

(trecho de ‘Irmãs da Chuva’)

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E para quem ainda tem dúvida, a pergunta do início deste texto está no belo prefácio escrito pela narradora de histórias Regina Machado.

Tururu do Sul pode até ser lugar inventado ou inspirado em algum daqueles terreiros por onde Gabriela andou nos últimos anos. Seja lá onde for, só não se esqueça de deixar ao lado um guarda-chuva na hora de ler o livro, como lembra Regina.

E se algum milagre acontecer “é porque o sertão é mesmo dentro da gente”.

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SAIBA MAIS

“Irmãs da chuva”
Gabriela Romeu e Anabella López

páginas: 80

dimensões: 24 x 30 cm (capa dura)


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