Livro ilustrado por brasileiro é viagem emocionante por Moçambique

Em Maputo, capital de Moçambique, o ilustrador Angelo Abu só queria contar uma história, daquelas que nascem no quintal, no pé de uma mangueira.

O grupo de jovens sentados sobre esteiras era diverso (e tímido), mas um deles rompeu o silêncio:

– Me chamo Faizal Faustino, tenho 15 anos e vou contar uma história.


Aquele era o início de uma série de relatos orais registrados pelo gravador desse mineiro de Belo Horizonte que deram origem às 11 histórias de seu livro “À sombra da Mangueira”, lançado pela Editora Peirópolis.

Destino pouco provável de viajantes brasileiros, mais pela falta de referência do que pelo que o país tem para mostrar, o ilustrador foi parar em Moçambique, após ser contratado por uma editora para ilustrar 15 livros do moçambicano Mia Couto que seriam lançados no Brasil.

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imagem: Divulgação

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“Eu percebi que precisava fazer esse mergulho porque eles [os moçambicanos] têm um conhecimento enorme da nossa cultura, e a gente pouquíssima com relação a deles”, explica Abu em live recente.

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Moçambique ilustrado

Autor de livros infantis desde 1995, Angelo Abu escreveu seu novo livro em coautoria com jovens de uma ONG em Maputo, a capital moçambicana que parece em eterna (re)construção daqueles edifícios sisudos da época em que o país flertou com o socialismo.

Os tons e texturas de suas ilustrações são como coloridas capulanas, como são chamados os tecidos usados pelas moçambicanas em suas roupas, que envolvem cada uma das páginas de “À sombra da Mangueira”, cujas histórias recolhidas são tão variadas quanto essas peças retangulares que podem ser usadas também como lenço de cabeça.

Capulanas em Maputo, capital de Moçambique (foto: Eduardo Vessoni)

O resultado é um livro que traça (em tons, sons e letras) um potente retrato de uma terra sonâmbula que parece ter desaprendido a sonhar depois de uma guerra civil, enchentes e terremotos.

Porém, mais do que reunir e ilustrar histórias que parecem fábulas inocentes com lição de moral no final, Abu também se surpreendeu com alguns jovens que questionavam as tradições locais, como Reginalda que, lembrando a dor do próprio país, se indigna com a história de jovens meninas em busca de casamento.

“Ela tinha é que dar um sentido para sua vida, escolher uma profissão e só mais tarde talvez pensar em casamento, se fosse o caso.”

(Reginalda em “À Sombra da Mangueira”)

Uma das surpresas do livro são os áudios com os depoimentos originais que podem ser ouvidos pelos leitores, acompanhados de ilustrações de tons marcantes que fazem a gente parar por horas diante das páginas do livro.

Os relatos, inventados na hora ou conhecidos daquela comunidade, são narrados em português, a língua oficial de Moçambique, e intercalados com frases em changana, fruto do tronco linguístico Bantu, traduzidas pelos próprios jovens e com transcrições para o leitor.

Mama, a ma tilhu yanga a maa pfaleke, ni twa a urronga!

(“Mamãe, os meus olhos já não se fecham e estou com sono”).


Para fazer caber aquelas histórias todas no seu novo livro, Abu adaptou a oralidade dos depoimentos em textos escritos pelo próprio ilustrador, “tomando sempre o cuidado de preservar a linguagem e a intenção de cada história”.

“Assim como ‘Macunaíma’, este livro é também uma rapsódia com uma história com sub histórias se bifurcando delas”, descreve.

Embora “À sombra da Mangueira” não esteja totalmente em changana, não é a primeira vez que a editora aposta em versões bilíngues, como o belo “Grande Assim”, homenagem do sul-africano Mhlobo Jadezweni à língua xhosa, um dos onze idiomas oficiais da África do Sul.

A versão lançada no Brasil ganhou não só uma edição em que o português divide as páginas com aquele idioma de origem buntu, mas também uma versão gravada em xhosa na voz do próprio autor. SAIBA MAIS

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imagem: Divulgação

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Já a experiência do ilustrador mineiro em Moçambique deu origem também à outra viagem ao país no ano seguinte, em 2017, e a uma exposição audiovisual no Centro Cultural Brasil Moçambique, na Embaixada do Brasil em Maputo.

Como diria um daqueles jovens ao final de seu relato, ‘Taí a minha história’, que na obra de Abu deixa de ser apenas mais uma história contada no pé de uma mangueira para se transformar numa daquelas viagens que a gente viaja sem precisar sair de casa.

À sombra da mangueira

(Angelo Abu e alunos da ONG Hakumana)
56 páginas
Livre para todas as idades
R$54
www.editorapeiropolis.com.br

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